sábado, 21 de setembro de 2013

Como será que meu filho está? Está sofrendo alguma forma de tortura... ou já está morto e já não sofre mais.... sabe? As mães têm uma coisa.... sentem, pressente quando seus filhos vão morrer... quando já estão mortos... eu... bem eu não pressinto nada, eu só desejo que ele esteja vivo, vivo e bem... mas se não estiver bem, prefiro que esteja morto.

Só assim vou me consolar e não enlouquecer pensando em um sádico praticando sandices no meu filho... no amorzinho da minha vida, na minha razão de ser...

Quero que esteja morto...mas, no fundo, no fundo, não quero que esteja morto, meu Deus... eu não aguento mais. E eu tenho consciência de que é puro egoísmo meu.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

A garoa caía desde manhã. Mal se enxergavam as casas pela nossa rua. Uma rua onde tudo era tão conhecido... me parecia, agora, tudo tão estranho. Um outro mundo.

Quando chegamos a nossa casa, um movimento de gente: meus pais, meus sogros, alguns amigos e vizinhos tiravam caixas e  mais caixas de uma Van. Eram folhetos com a fotografia de meu filho... lindo embaixo das palavras DESAPARECIDO.

Olhei pras caixas, pros  folhetos e pro meu filho. Fiquei segurando na mão um folheto, olhando fixamente bem dentro dos olhos dele. Lembrei do dia em que tínhamos tirado aquela foto... No parquinho do bairro. Suspirei profundamente.

Que dor.... Meu Deus que dor! Não fiz nada de tão errado que pudesse merecer tamanha dor. Por que Deus me impõe tal provação?

Acho que foi nesse exato momento que Deus morreu pra mim... Sabe aquela figura de um Deus bondoso, que ama suas criaturas... eu não conseguia mais enxergar isso.

Nunca fui muito ligada a essas coisa de Deus. Vivia minha vida e pronto. Não fazia o mal pra ninguém, sequer desejava o mal... acho que Deus esperava mais de mim, esperava que eu saísse por aí ajudando as pessoas, proclamando crer nEle, acho que é isso que faltou. Paciência... agora é melhor mesmo que Deus não exista pra mim... é mais fácil aceitar que terei de viver dia após dia tristíssima e tensa como a corda de um arco de flecha...

Novamente o risco de um sorriso cruzou meu rosto e agradeci àquelas pessoas o que estavam fazendo por mim, meu marido, meu filho...

O que lembro bem daquele dia é que bebi água, muita água....e nos dias seguintes também.

sábado, 20 de julho de 2013

Voltamos pra casa de mãos vazias.

Às vezes, saímos pra fazer compras e não encontramos o que queríamos. Vamos ao shopping em busca de uma roupa, de um calçado e não encontramos o que procurávamos. Voltamos de mãos vazias... planejamos ir outro dia, ir a outro lugar para conseguir exatamente o que queremos... ou, no máximo, compramos outra coisa em substituição ao que realmente queríamos.

Queria que fosse fácil assim. Voltar pra casa sem nosso filho e dizer: 'tá tudo bem... amanhã a gente vai a outro lugar, talvez ele esteja lá'. Ou talvez pegar outro garoto em substituição ao que nos foi levado... E seguir com as atividades cotidianas...

Mas não é. Eu queria chorar, queria gritar, esmurrar o mundo. Mas do que iria adiantar? Nada disso colocaria meu filho de volta em meus braços. E eu também estava preocupada com o pai de meu filho: suas mãos continuavam tão geladas...

Eu me fiz forte. Engoli o choro, disfarcei as lágrimas que teimaram em escorrer dos meus olhos... e segurei as mãos dele entre as minhas. Eu tinha de aquecê-las.

Concentrei minha atenção nisso... tentei, pelo menos.

Mas meus olhos não paravam.... eles procuravam meu filho pelas ruas. Pensava que poderia encontrá-lo em algum sinal... de mãos dadas com alguém.... ou mesmo sozinho, chorando, perdido.

Imaginar onde estaria meu filho foi a pior parte de toda esta história. Nenhuma imagem colorida, agradável.... em todas elas, ele estava triste, chorava, tinha frio ou tinha fome... queria sua mamãe e seu papai... queria o vovô, a vovó... a bisa.... queria o tio, a tia, o amiguinho da escola... a profe... queria alguém que fosse conhecido... queria sua casa, seus brinquedos. Queria sua vida de volta. E sempre tudo estava preto e branco.

Onde está Marquinho?

Arrisquei olhar o rosto de Marco Aurélio. Era impossível sentir com precisão o que ele estava sentindo, o que estava se passando na sua cabeça. Qual era o tamanho de sua dor?

Dor é dor.... e ponto final.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Por que será que uma pessoa resolve roubar alguém? Fico me perguntando que mente doentia é capaz de articular um roubo?

Imagino a pessoa um dia acordar e pensar: 'vou subtrair alguma coisa de alguém... vou tirar uma criança de uma mãe'. Acredito que ter pensamentos ruins, errados todo mundo pode ter em algum momento ou outro de sua vida.

Pensa, mas não leva a cabo.

Pensa, mas deixa no nível da imaginação. Maquina, mas não põe em ação o maquinado.

Lá estava eu de volta ao lugar de onde me foi tirado meu filho. Tudo estava igual ao dia anterior e ao mesmo tempo tudo estava completamente diferente.

Eu tinha chegado lá com toda a fé do mundo que iria reencontrá-lo. Sempre acreditei que uma mãe pode tudo para proteger um filho.

Nesse dia, ou no dia anterior, tanto faz... eu aprendi que não existe onipotência materna...

Paradoxo da pedra: "Pode um ser onipotente criar uma pedra que não consiga erguer?"

.... pode uma mãe ter um filho e não conseguir protegê-lo? Isso deveria ser proibido....

Mas eu não chorei.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

O que é a força da mente? Toda e nenhuma...

Somos consciente + inconsciente. Pense no bem e bem se materializará. Pense positivo e você conseguirá. Cuidado com o que você deseja, você pode conseguir. Suas palavras têm poder... e sua mente mais ainda.

Verdades e mentiras... frases feitas, perfeitas ou imperfeitas.

E olha que eu pensei positivo. Eu até agi, não é? Saí do sofá onde estava confortavelmente sentada, saí do aconchego do meu lar, fiz um trajeto turbulento pra chegar até onde eu queria e encontrar quem eu queria encontrar.

Ninguém nunca vai poder dizer: 'essa aí... não tem pensamento positivo, é uma acomodada, aceita o fatídico'. Não, ninguém vai poder apontar o dedo pra mim e dizer que eu não lutei.

Eu estava a poucos metros do banco... mais dois ou três passos, estender os braços e abraçar meu filho.

Estava aí, bem na minha frente... era tudo o que eu queria!

segunda-feira, 8 de julho de 2013

A dor no meu coração ainda era dilacerante. A vontade era de entrar em um buraco e ficar pra sempre... parar de respirar... ou enlouquecer.

Queria enlouquecer. A vida não é nada justa, deixa-me com a mente tão clara, tudo é tão nítido, consigo ver com os olhos da alma cada  segundo que passa. Se a vida tivesse qualquer consideração por mim, certamente me deixaria enlouquecer... deixaria que eu mostrasse uma contradição no interior da minha razão - que continua presente... apenas presa ao fio da esperança.

O resto tudo seria pura loucura. Mas a vida não está se importando muito com o que está acontecendo comigo. O mundo não está interessado.

O sol nasceu forte, brilha no céu, fazendo tudo brilhar aqui embaixo, aquece com seu calor tudo o que toca... menos, é claro, as mãos do meu amado.

Eu estava sentada acordada no mesmo lugar do sofá, onde tinha tomado o chá e o remédio que, de acordo com  a bula, iria me fazer dormir, pelo menos umas quatro horas.

Não dormi nada. Às 9 horas da manhã meu marido me trouxe um copo de leite e uma fatia de bolo - que minha vizinha tinha trazido em sinal de apoio. Ao meio-dia eu consegui engolir o último pedaço de bolo e tomar o último gole de leite.

Eu estava morta por dentro e conseguia comer - quem quer sobreviver? Sou eu? Ou a vida tomou minha vida em suas próprias mãos e a manipula conforme seu bel-prazer? A tristeza me envolvia como a noite envolve o dia e o faz simplesmente desaparecer.

Decidi ir à rodoviária. "fazer o quê?", perguntou meu marido.... 'Não posso ficar sentada aqui sem fazer nada... vou sair e procurar meu filho.'

Me agarrei ao pensamento positivo. Não é assim que funciona? Você projeta e acontece. Pense positivo: 'você vai encontrar seu filho, sentadinho no banco esperando por você'. Visualize seu filho vindo em sua direção e abraçando-a bem forte.... sinta as mãozinhas dele, os bracinho dele ao redor de seu pescoço... sinta a maciez da pele do rostinho dele... afague os cabelos.... imagine... crie essa imagem e vá na direção dela. É isso que os manuais dizem, não é?

Eu aprendo rápido... fiz exatamente tudo o que eles pregam...

Eram 14h:20min quando os meus olhos se fixaram no banco imaginado tão fortemente... Eu havia criado a imagem, eu sabia que se acreditasse com todo a minha força eu conseguiria.

Eu sabia exatamente o que eu queria... não havia dúvidas na minha mente, dúvidas que pudessem se intrometer entre minha vontade e a realidade.

Parecia que o tempo não havia passado... que ainda era ontem. Seria uma alucinação?

sábado, 6 de julho de 2013

Essa

Essa não era para ser a minha vida...
How odd the human race is - so alike and yet so different!
 
 
 
 
Como a raça humana é curiosa - tão parecida e tão diferente!
Temos todos 46 cromossomos em nossas células, mas temos diferenças extraordinariamente enormes na nossa capacidade de suportar a dor e o sofrimento.
 
O stress esquenta o corpo, e meu marido estava a cada instante com as mãos mais frias... o que estava acontecendo com ele?

quarta-feira, 3 de julho de 2013

O que é a esperança?

Fiquei ali num montinho... uma massa informe. Naquele momento toda a minha vida se resumia a respirar...

Meu marido se abaixou e me abraçou. Suas mãos estavam frias, muito frias. Levei um choque. Ele era um homem de mãos quentes, sempre. Eu é que tinha as mãos frias...

Ele me ajudou a me erguer e ficou me segurando em seus braços... e eu só sentia suas mãos geladas acariciando meu rosto. Ouvia vozes, mas não distinguia as palavras.

Meus pais chegaram e me abraçaram. Continuavam as vozes... sons sem sentido nenhum pra mim.

'Como foi que aconteceu?' 'Onde está o corpinho dele?'

Como se tivesse acordado de um pesadelo, olhei pra eles assustada. 'Como? Corpinho? Como assim?'

Na hora me dei conta de que eles estavam entendendo tudo errado... 'Não, Marquinho não morreu', disse.

O olhar dos meus pais e de meus sogros pedia uma explicação. E houve a explicação: 'Alguém levou nosso menino'.

As pessoas reagem da forma mais inesperada possível. 'Oh! É isso?... Então nós vamos encontrá-lo, não vamos parar até encontrá-lo. Pronto. Está resolvido', disse papai. 'Pensávamos que ele estivesse morto, mas não.... e isso é ótimo', completou.

Pegou o celular e começou a fazer mil ligações... os amigos - sempre há um que é amigo de um policial, que pode auxiliar... que sabe como proceder, que já passou pela mesma situação... 'Tudo será resolvido', dizia ele o tempo todo.

Eu arrisquei encarar mamãe e meus sogros. A esperança estava estampada em seus olhos... era tão forte que era impossível não acreditar que Marquinho não estaria de volta logo, logo.

Meu Deus eu não tinha esperança nenhuma, e eles estavam cheios dela.

Eu não poderia tirar isso deles... Sabia que sofriam e sofreriam mais ainda se eu tirasse um milésimo da esperança deles. Eles tinham fé... eu não.

Sorri acho que o sorriso mais débil que já apareceu no rosto de alguém. Fiz que sim com a cabeça... num sussurro (não consegui mais do que isso) disse 'sim, vamos'. E tentei trocar a dor nos meus olhos por esperança.... acho que consegui porque eles continuaram sorrindo, fazendo planos, telefonando...

Minha mãe logo foi pra cozinha fazer um chá pra todos. Meu marido continuou me abraçando carinhosamente - mas as mãos pareciam cada vez mais frias -, meu sogro telefonando para todos os seus amigos, minha sogra ligou pro resto da família.

Uma hora depois, minha casa estava cheia de gente, cheia de boa vontade de ajudar e com uma certeza de que Marquinho logo seria encontrado, logo estaria de volta.

Meu cunhado médico trouxe comprimidos de clonazepam para eu tomar...

Mas o sol me encontrou ainda acordada....



terça-feira, 2 de julho de 2013

Olhei meus sogros.



Você sabe exatamente quanto de dor você consegue suportar, mas não sabe quanto o outro consegue. Como é que é a dor pro outro? Com que intensidade meu sogro sofreria ao saber o que havia acontecido? Marquinho era o neto preferido dele. Foi amor incondicional desde a Maternidade. Vovô Adriano - vovô Iano, como Marquinho o chamava - foi a primeira pessoa que segurou meu bebê no colo, depois de mim e de Marco.

Foi olho no olho, amor à primeira vista.

E agora estávamos aí meu marido e eu prontos pra dizer que havíamos perdido nosso filho, neto querido dele.

'Chega de aflição... digam-nos o que acontece!', falou ele com a voz mais calma do mundo.

Eu fiquei escolhendo as palavras... não queria que fosse um choque. Queria dizer bem devagarinho que 'nosso filho não estava mais conosco' - não assim não poderia dizer, eles pensariam que Marquinho estava morto (e ele não estava). 'Perdemos Marquinho'.... pareceria pro resto da vida que o tínhamos largado, como se larga uma mala qualquer, num canto qualquer e quando se volta pra buscar não está mais lá.

Como dizer?

Eu esperava que meu marido falasse. E ele esperava que eu explicasse...

Fui até a porta, abri e saí de dentro de casa. Olhei pro céu, a lua brilhava e as estrelas bruxuleavam como se quisessem me dizer bem baixinho: nós sabemos onde seu filhinho está.

Eu me joguei no chão e gritei, gritei mil vezes o nome de meu filho com todas as minhas forças....

Até hoje eu ouço o eco da minha dor....

sábado, 29 de junho de 2013

Um fiozinho de vida.... O que é um fiozinho de vida? O que é vida? A vida?

Já li em algum lugar que a vida é mais ou menos como aquele fiozinho de linha ou de lã que se solta da roupa de tricô e você vai puxando, puxando, pra tentar arrumar ou arrancar, ou vai enrolando, enrolando e quase como que sem querer desfia tudo... a vida por um fio.

Você desfia, e o tricô não tem mais cara de tricô. É um amontoado de linha... ou de lã... emaranhado.

Com a vida é igual... você vai puxando do futuro um dia depois do outro. Ilude-se de que está tudo sob controle... organizadissimamente organizado. Um dia se dá conta de que a vida não é tão quadradinha assim. Ela segue o rumo que quer, sem se importar com os nós que vão se formando... o emaranhado não é macio como a lã... o emaranhado é de fios de arame farpado.... com um toquezinho a mais de crueldade:  a intensidade da corrente elétrica provoca efeitos que vão até a mais cruel dor, sem matar.

E o fiozinho é tão frágil, mas não arrebenta.

Sentada na banheira senti-me abandonada por todos. O toque da campainha, lembrou-me de que eu estava viva, consequentemente tinha futuro... um arrepio percorreu meu corpo inteiro quando me dei conta da incerteza do meu futuro.

O frio cortante da realidade doía... liguei o chuveiro novamente.

Meu marido me avisou que seus pais haviam chegado...

Não tinha escolha, como uma marionete manipulada pelas mãos da vida... coloquei um roupão... e fui levada para a sala.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Liguei o chuveiro... abri a torneira para encher a banheira e entrei.... de roupa e tudo. A água quente... quente a ponto de não ser suportada era como agulhas incandescentes em todo o meu corpo.

Fui tirando a roupa... uma eternidade entre cada peça....

Peguei uma esponja e não... não pelo lado macio esfreguei em todo o meu corpo... queria dor... mais dor e mais dor.

Enfraquecida pela dor, arfando de dor... aumentei o quente da água... como desejei evaporar junto com o vapor que se espalhava pelo banheiro... ou desaparecer pelo ralo junto com a água que me banhava.... queria queimar e virar cinzas. Mergulhei na banheira... melhor morrer.

'És pó e ao pó hás de voltar.' Sim, sei que esta frase está escrita em algum lugar em um livro chamado Bíblia... queria voltar a ser pó, instantaneamente. Melhor: nunca queria ter deixado de ser pó informe.

A lembrança de ser obrigada a sobreviver veio como um soco no estômago... desisti do autoafogamento, diminui o calor da água, joguei a esponja longe...

e me agarrei num fiozinho de vida.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Como é difícil olhar nos olhos das pessoas... às vezes. Dizem que os olhos são as janelas da alma - um clichê, eu sei...

Não encarei meu marido naquele dia... e não me lembro de quando consegui olhar nos olhos dele de novo.

Não queria ver o que estava na alma dele... mas, acima de tudo, não queria que ele visse o que se passava na minha alma.

Dor? Você já sentiu dor... que eu sei. Todo mundo sente... então multiplique por centenas de vezes a sua pior dor... você vai encontrar o tamanho da minha dor.

Incapacidade... eu era a responsável por um garotinho e eu simplesmente o perdi... como se perde uma carteira, um livro, um documento. Eu não poderia ter perdido meu filho... não poderia e fim.

Eu sempre achava que mãe era onipotente quando se tratava de filhos... eu achava...

Eu me deixei ficar no sofá enquanto meu marido telefonava para seus pais - primeiro - e depois para os meus... Ouvia o som da sua voz, mas as palavras não tinham sentido nenhum para mim... eram zunidos...

'Eles estão vindo para cá', ele me falou... 'só pedi a eles que viessem para nossa casa, não falei o que aconteceu'.

Eu olhei horrorizada para ele... quem falaria? como falaria? o que eles vinham imaginando no caminho que tivesse acontecido para serem chamados à nossa casa?

Meu Deus! Tem de haver um Deus que vai colocar meu filho de volta no exato lugar onde ele deve estar... o lugar de onde ele nunca deveria ter saído.

Levantei-me e fui ao banheiro... e vomitei... e vomitei... e vomitei...

Saiu tudo de dentro de mim. Agora eu era uma casca oca ambulante... e assim permaneceria até encontrar meu filho - decisão tomada.

domingo, 9 de junho de 2013

Éramos três há poucas horas saindo por aquela porta.... Felizes, iríamos ter alguns dias inteirinhos só pra nós.

Agora somos dois.... com dias inteirinhos só pra nós

Meu marido abriu a porta, colocou a bagagem no chão da sala... e voltou para onde eu havia ficado. Gentilmente pegou minha mão e de mansinho me levou pra dentro de casa.

Acho que levamos uma eternidade do portão de casa até à sala. Nenhum dos dois olhou na direção do quartinho de Marquinho.

Meu marido me fez sentar no sofá, tirou meus sapatos... e eu me deixe ficar aí. O olhar perdido no nada...

No nada, não... criei na minha mente um enorme paredão de água e me coloquei ali me equilibrando nos meus próprios pés. Só saio do tubo pra abraçar meu filho... ou afogada pela água. foi

Meu marido foi ao banheiro... um pouquinho depois trouxe um copo de suco e um relaxante muscular. Os olhos dele estavam diferentes.... ele chorou, eu podia jurar que ele havia chorado.

Um relaxante muscular - me deu vontade de rir - nem um lote inteiro de relaxante me faria relaxar... mas eu tomei... e, interessante, pensei... apesar de tudo, senti vontade de rir.

Claro... me odiei por isso.

'Temos de avisar nossos pais', falou Marco Aurélio...

Sim, sim, pensei eu, ligue para eles e diga que perdemos nosso filho... só pensei.

Apenas fiz que sim com a cabeça, sem olhar para ele.

sábado, 8 de junho de 2013

Inércia - das leis de Newton a que tomou conta de mim no momento em que meu marido me empurrou em direção ao táxi foi uma das mais fáceis: a da inércia. Se meu marido continuasse me empurrando indefinidamente eu seguiria empurrada indefinidamente.

Quando chegamos em frente à nossa casa, e o táxi parou, meu marido teve de me arrancar à força de dentro do carro.

Você deve estar pensando que eu estava chorando desesperadamente. Não, não estava... a lei da inércia definitivamente havia tomado conta de mim. Eu havia fechado minha boca, minha cabeça, meu coração.... e não ia fazer nenhum movimento contrário.

Uma força externa era necessária para que eu me movesse. Fui puxada para fora do carro, empurrada na direção do portão de nossa casinha, empurrada porta a dentro. Fiquei de pé parada... não via nada, não pensava em nada... não sentia nada...

Congelei... se o meu filho não está aqui comigo, eu não quero viver. Não, não é o que você está pensando... não que eu quero morrer... não é isso. Simplesmente não quero viver.

Vou continuar respirando, respirando, encostada na vida.... encostada, ouviu bem!?

Tudo o que acontecer daqui pra frente vou empilhar em uma estante em minha cabeça e deixar lá... criar teia de aranha, encher de pó... vou manter uma sensação de que não estou andando e de que o tempo não está sendo deixado pra trás.

Dor? Não, não sinto dor.... se eu sentisse seria uma dor de matar... e eu não posso morrer. Se meu filho voltar amanhã, ele tem de me encontrar aqui... e então eu vou esperar.

Inércia..... Apertei pause....

domingo, 2 de junho de 2013

Acho que às vezes Deus abandona suas criaturas. Como Criador que Ele é, não nos deveria deixar sós nunca.

Claro, tínhamos de aceitar: nosso filho havia sumido. Alguém o tinha levado em segundos que desviamos nosso olhar dele. E agora um tinha de olhar no olho do outro, com todo esse peso.

Desviamos o olhar o quanto pudemos, olhávamos pra qualquer direção que não fosse os olhos um do outro. Mas, isso não poderia continuar pra sempre.

Eu continuava correndo para todos os cantos, mesmo sabendo que Marquinho já não estava mais lá. O que é a esperança!? Parece que enquanto não se perde a esperança o mal não aconteceu... como se tivéssemos a capacidade de mudar a situação.

Meu marido calmamente veio em minha direção, colocou suas mãos calmamente em meus ombros.... senti sua respiração próxima a mim. Juntei toda coragem que pude e enfrentei seus olhos...

enfrentei seus olhos.... não consigo descrever o que vi, nem o que deixei de ver.

Meu marido só falou: 'vamos... vamos para casa...' E eu me deixei arrastar.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Juntei as laranjas, voltei pra perto de meu marido, entreguei as laranjas pra que eles as colocasse novamente na sacola e olhei na direção dos balões coloridos, do palhaço e de meu filho.

Nada... nada do que eu espera encontrar estava lá. Era tão certo que a figurinha de meu bebê apareceria diante de meus olhos quando eu olhasse na direção em que ele tinha corrido. Mas o que meus olhos viram foi nada.

Você já teve tal sensação? A de olhar para um lugar e não ver o que era certo que seria visto?
Sinceramente espero que você  nunca tenha tido essa experiência.

Num primeiro momento, claro, não me dei conta... olhei em outras direções... em todas as outras direções. Corri para onde meu filho deveria estar... ele de-ve-ri-a estar lá. Mas não estava.

Olhei novamente. Quem sabe a multidão de pessoas tivesse engolido meu filho, empurrado pra algum canto, sei lá... ele tinha de estar naquele lugar. Lá era o lugar dele.

Mas não o vi.

Chamei seu nome... chamei... mais alto, mais alto... gritei. Nada.

Bem, o que aconteceu depois disso, vem aos turbilhões à minha mente. Não consigo concatenar exatamente a sequência correta dos acontecimentos. Corri por toda a estação, olhei para todos os lados, pra cima, pra baixo... entrei desesperada em cada ônibus estacionado com as portas abertas...
procurei debaixo dos bancos... 'ele rolou... eu sei ele apenas rolou para um lugar onde não consigo ver'... ele tinha de estar em algum lugar.

Meu marido... não consegui olhar nos olhos dele, simplesmente não consegui. Não queria ver espelhado no seu olhar o meu desespero... o desepero dele. Acho que ele também estava deesperado. Não, nunca perguntei.

Corri como corre um louco. Corri como se de correr dependesse toda a minha vida. Corri como se corresse contra o tempo. Corri como se pudesse voltar no tempo. Corri... e gritei. Desesperadamente gritei o nome de meu filho.

Uma semana depois minha garganta ainda doía por causa dos meus gritos... que não conseguiram alcançar meu filho. Ou conseguiram, e ele simplesmente foi impedido de responder?

Sinceramente, espero que a maldade de quem o levou não tenha havido mais esse requinte de crueldade. Mas, sim... tenho milhares de pesadelos exatamente assim: meu filho gritando da janela de qualquer lugar... 'mamãe... mamãe'; não ouço sua voz; apenas vejo o movimento dos lábios e as lágrimas escorrendo pelo rostinho dele - como se tivesse consciência de que era um adeus... 'adeus mamãe'.

"Não bebê... não é um adeus", queria poder dizer, queria poder acreditar, queria materializar o significado dessas palavras.

Queria, não... quero.

domingo, 19 de maio de 2013

Um filho não deveria morrer antes de seus pais. A natureza deveria sempre seguir a ordem social natural: primeiro os mais velhos.

Mas todo mundo sabe que não é assim. Quando chega a hora de alguém, chega a hora e fim. É realmente o fim pra esse alguém. Então, pais vão antes de filhos; filhos vão antes de pais; antes de avós... O que conta, no fim das contas, não é o tempo maior de vida. O que conta é o tempo de vida que cada um deve ter, o tempo que cada um ganha ao nascer... e quando esgota o tempo, fim!

Enfrentar a morte não é fácil, eu sei... já vi, já soube de muitas mortes. Soube do sofrimento deixado pela partida de alguém querido. E quanto mais querido, maior o sofrimento, maior a dor.

Quando morre alguém, todo mundo sabe que é inevitável o acordar no dia seguinte e não mais a pessoa encontrar. Fica um vazio... um vácuo... um buraco no estômago, no coração... fica faltando um pedaço... sim, é bem assim.

Mas a morte, em comparação ao desaparecimento, tem algo de melhor. A morte é definitiva, é um soco no estômago uma vez só... depois é só se contorcer, até a dor ir passando devagarinho... devagarinho. Tudo vai ficando lá atrás, distante dos olhos, no tempo - até fica guardadinho no coração, mas a pessoa não fica alimentando a esperança de dobrar a esquina e dar de cara com quem morreu; não espera atender o telefone e ouvir a voz de quem morreu; não espera que batam toc-toc na sua porta e... não, e não. É nunca mais pra sempre.

Agora quando alguém some de diante de seus olhos, levado pelas mão de um palhaço, você não tem como não ter esperança... e daí, você não espera que batam na sua porta, não. Sabe o que você faz? Você vai atrás.

Separação é muito pior do que morte... ter esperança de que vai reencontrar é muito pior do que ter a certeza de que é pra nunca mais. Morrer é definitivamente definitivo, é pra sempre.

Separação, não... pode voltar a qualquer instante; então você fica esperando... correndo atrás e esperando. E o que dói mais é não saber por onde procurar... é não saber onde meu filhote está... como ele está... se está!? Ou não está mais?

Uma resposta à última pergunta talvez diminuisse um pouco mais a minha dor... ou não.


Quando uma pessoa morre, a gente quase morre junto. Mas não morre de verdade.

A pessoa morreu, passou desta pra melhor... ou pior... ou pro nada? Não sei no que acreditar.

A gente quase morre de dor. Porque é uma dor danada a dor de perder alguém., a dor de saber que não vai mais ter esse alguém por perto. Mas a gente só quase morre. Não morre mesmo; continua respirando, continua levando a vida - do jeito que dá, é bem verdade. Mas a gente continua viva.

A pessoa que morre é enterrada; é colocada em um caixão; é velada; depois é colocada em um buraco na terra. Tudo o que acontece com a morte de uma pessoa é triste; o lugar onde o corpo dela é colocado é triste e feio. A gente até procura melhorar um pouquinho colocando coroas coloridas, colocando flores, acendendo uma vela pro lugar não ficar tão triste, feio, frio e escuro.

Mas, mesmo com tudo isso, continuo achando que um corpo morto está em um lugar bem feinho. Mas a gente sabe que o corpo está lá. Se sente saudades, vai até lá e chora, e mata a saudades... um pouquinho. Coloca a conversa em dia... um monólogo é claro, mas fala pra pessoa (pro corpo dela, é claro) tudo o que tem vontade de falar. Uma espécie de desabafo.

E volta pra casa e continua sua vida normal... ou quase normal. Enfim, a vida continua do jeito que tem de ser e pronto.

Claro, uma pessoa não é só o corpo dela, é mais... pra onde esse mais vai, não faço a mínima ideia; nem ninguém faz. E a gente fica na esperança de que, quando chegar a vez da gente, a gente vai descobrir. E com essa esperança a gente segue em frente.

Mas, e quando um alguém some de diante dos olhos da gente e a gente não sabe pra onde esse alguém foi? A gente procura, procura, procura e não encontra...

Nada mais fica normal; nada mais eu vou deixar ficar normal... não vou deixar ficar normal porque vai parecer que estou seguindo em frente.

E eu não consigo seguir em frente. Eu não quero seguir em frente. Quero tudo congelado até encontrar meu filho... que pela mão do palhaço foi levado... e eu não tenha a mínima ideia de pra onde ele foi.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Se sinto pena de mim mesma? Não... Sinto pena do mundo.

O mundo pode ser um lugar bem perverso de vez em quando... ou quase sempre.

Na minha tristeza e dor, não quero sonhos cor de rosa. Não quero sonhos que me façam feliz. Só pesadelos e mais nada.

Masoquista? Não, claro que não... não tenho essa tendência... não sou masoquista. Não busco prazer no sentir dor. Eu sentia prazer em viver. Meu prazer era estar com meu doce marido e meu amado filho... eles eram a minha vida. E me davam uma vida de prazer.

Os balões sumiram da minha visão.... e o meu filhinho também.

Levei alguns minutos para me dar conta do que acontecera. Na verdade, mais do que alguns míseros minutos. Talvez se eu tivesse sido mais rápida em deduzir. Minha culpa! Por que não percebo de imediato o que acontece? Por que não percebi imediatamente quando meu filho sumiu de meu campo de visão.

Aquelas malditas laranjas... ao rolarem me deixaram tonta. Foi isso o que aconteceu. Não, não foi culpa minha.

A culpa é do mundo; e, por isso, sinto tanta pena dele... ser culpado do que aconteceu naquele momento - ser culpado de tudo o que de ruim acontece. Deve ser triste e humilhante até pro mundo.

Ou, no mínimo, a culpa é das laranjas, são redondas, e por isso rolam.... e temos de correr atrás.

A culpa não é minha (estou me esforçando pra acreditar nisso). Olhe bem para mim. Você só verá machucados, arranhões... meu rosto enrugado reflete a dor que me corrói... que vai me destruindo devagarinho.

Não, não quero a sua piedade. Não quero nada de você. Quero apenas meu filho de volta. Se você o viu por aí, diga-lhe que estou esperando, procurando e não vou parar até o encontrar.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Uma coisa que acontece comigo (e imagino aconteça com quase todo mundo) é o seguinte: quando tenho um pesadelo, um sonho ruim... ao acordar, a sensação continua por um tempo. Fico com aquele mal-estar do sonho pesando no meu coração... não parece ter sido apenas sonho, parece que realmente passei por aquela situação ruim.

No meu último sonho, eu estava sorrindo, estava feliz... daí que a sensação depois de acordar deveria ser, no mínimo, de paz, de alegria.

Imagine como me senti! Não acho possível você imaginar, e eu não consigo descrever...

Sou uma sobrevivente de um momento lá atrás... um momento em que meu coração foi arrancado do peito sem eu estar anestesiada. Hoje sou uma sobrevivente... estou afundando em um mar de lama, estou rastejando na escuridão, estou cheia de feridas...

E eu mesma lambo as minhas próprias feridas.

Estou ferida. Sou uma enorme e pútrida ferida ambulante.

sábado, 27 de abril de 2013

Nosso corpo não foi feito pra suportar tudo. A gente suporta um pouco de fome... um pouco de sede... um pouco de calor... um pouco de frio... a gente suporta um pouco de dor... um pouco mais se preciso for.

Mas há um limite. Chega uma hora em que o corpo desiste. Pode até ter sido treinado pra aguentar... mas aguenta até um determinado ponto. Depois vai se entregando devagarinho. Definha e morre.

Há dores suportáveis... maleáveis, moldáveis... acostumáveis.... essas dores são horríveis, porque a gente se acostuma a elas; a gente se conforma, pega a forma delas e torna o corpo exatamente igual a elas.

Procure por alguém que esteja com uma dor suportável.... tenho certeza de que você vai identificar vários alguéns por aí.

Pior que uma dor insuportável é a dor suportável. Sabe por quê? Porque a dor suportável vai cortando a gente devagarinho, rebentando pedacinho por pedacinho, cada dia um pouquinho. O corpo vai minguando, se entortando... a dor corroendo cada ossinho, até quebrar em milhões da caquinhos.

A dor insuportável arrebenta você de vez, sem dó nem piedade. Não engana, mostra a cara e diz a que veio... a dor insuportável é perfeita e absolutamente suportável.

A minha dor é uma dor insuportável que age como se fosse absolutamente suportável. Me arrebentou e continua arrebentando cada pedacinho em mais de um milhão de pedacinhos....

Ontem à noite sonhei... ultimamente só tenho tido pesadelos... Eu estava em um circo... tudo tão colorido, música de circo, cheiro de circo... e quem andava na corda bamba era meu pequenininho... lá em cima se equilibrando ele parecia mais pequenininho ainda, mais indefeso.... mas sorria e se equilibrava com uma enorme maestria... e eu também sorria...

Acordei e consegui me odiar mais ainda...

Como posso me divertir sem o meu filhote do meu lado?


quarta-feira, 24 de abril de 2013

Estou no meio de um ciclo autodestrutivo de comportamento. Não vou interrompê-lo, não vou sair dele... vou andar em círculos até ficar tão tonta que não me será mais possível ficar em pé.

Permanecerei viva... claro; embora sinto-me tão morta que preciso mutilar-me pra confirmar que estou viva... mas é só um pedacinho por vez... um pedacinho do corpo, um pedacinho da alma... do corpo... da alma. Entre uma mutilação e outra, espero a reconstrução completa do que foi destruído... e recomeço.

Preciso manter um pouco de sanidade, preciso estar inteira... ou inteira pela metade... porque as coisas podem mudar, né? E se mudarem e eu não estiver mais aqui... estiver morta?

Tenho de estar viva... pelo meu filhinho.

Se me envergonho dessa minha autodestruição aos pedaços? Claro que não... é o que me mantém viva... é o que não permite que a insanidade tome completamente conta de mim, dando cabo à minha própria vida. Então, não me envergonho do meu comportamento degradado. Ele me mantém viva.

Vou terminar esta parte citando Renato Russo: "Consegui meu equilíbrio cortejando a insanidade.
Tudo está perdido mas existem possibilidades".

Grande cara esse... entendia do que estou falando... e isso é bom... faz não me sentir sozinha neste mundo insano.

domingo, 21 de abril de 2013

Como falei no início, minha hstória começou com o fim da minha sobriedade (dentre o fim de tantas outras coisas boas).

Tinha vida antes do começo desta história? Claro, é óbvio... não estou contando minha história desde o meu nascimento. Nasci... como todo mundo nasce... vivi... como todo mundo vive - dias bons, dias ruins, dias de felicidade, dias de tristeza - um dia depois do outro, exatamente como é normal viver.

Nada que precisasse ser contado... que o mundo já não soubesse.

Também não quero dizer que o que vou contar é exclusivo meu. O que aconteceu comigo já aconteceu com muitas outras pessoas - pode ser até que você conheça algumas delas, pode ser até que você seja uma delas (uma das que compartilha a mesma experiência).

Decidi contar o que me aconteceu porque... Pensando bem, nem sei por que razão. Tudo o que me falta agora é razão. A única coisa que eu deveria fazer é estar por aí... correndo o mundo, vasculhando cada pedaço deste mundo, entrando em cada buraco, em cada porta,,, entrando e saindo, correndo atrás do que era a razão da minha vida, da minha sobriedade: a minha vida até o momento em que meus olhos cruzaram com o do palhaço, passaram para os balões coloridos, pro meu filho indo na direção do palhaço, pra sua mãozinha segurando o balão - amarelo, ou vermelho, nunca lembro -, pro lanche esparramado no chão, pras laranjas rolando pra debaixo de um banco, pro vazio. Onde está o palhaço?

E aí fim... fim da minha sobriedade.... ou melhor, mantive-a por mais alguns instantes, minutos... um tempinho  mais. E fim!

Sobriedade, qualidade de quem tem equilíbrio, de quem sabe colocar-se limites, age com tranquilidade, mantém a compostura, em quem não há sombra de nenhum distúrbio mental, tem o controle de suas emoções, sente paz interior, demonstra sossego, mostra prudência, etc., etc. e mais etcs. - tudo positivo.

Eu sou, ou melhor, estou no tudo negativo do que acabei de listar.

Então, pense... pense em como é viver assim, conviver com alguém assim: tudo no negativo... Meu passado - depois do palhaço - é um açoite transformando meus dias em maldição...o presente é minha escravidão.

Futuro!? Ironia da vida....

terça-feira, 16 de abril de 2013

Um momento de felicidade.... o palhaço, o sorriso escancarado na cara... colorido, os balões... meu pequeninho... sua mãozinha... um balão colorido....

Um mundo de sofrimento... tudo em branco e preto, mais preto do que branco...

Pensa em um cofrinho, um cofrinho do tipo de latinha de cerveja. Só há uma abertura, fininha...

Agora aumente-o pra 1,68 m... eu dentro dele... vagando pelo infinito, sem saber se vou chegar a algum lugar, ou a lugar nenhum... só meus pés podem tocá-lo. Tenho 1,68... sou do tamanho exato da latinha, mas não posso tocá-la com a cabeça, tenho de manter o corpo curvado... tenho de me equilibrar, não posso tocar os lados... meu corpo todo dói imensamente, sinto como se fossem agulhas em cada músculo meu. E o ar... não é suficiente pra eu respirar, mas também não é o insuficiente pra eu não respirar.. sinto-me sufocar.

E os olhos... quero fechá-los... mas não posso, tenho de me manter alerta, porque ele pode por mim passar e, se eu não estiver de olhos bem abertos, não o vou enxergar.

E eu tenho de lutar, porque da mesma forma que posso não chegar a nenhum lugar, posso chegar... então, tenho de lutar, de me sustentar. Não posso desistir, não quero desistir... mas na mesma intensidade tudo o contrário em mim.

É exatamente assim que me sinto... sinto muito.

domingo, 14 de abril de 2013

Será que qualquer sofrimento começa com felicidade... Será que na vida sempre é um intercalar de alegria e dor? Li uma vez que 'o sofrimento é um intervalo entre duas felicidades'. Quem disse isso, se não me engano, foi Vinícius de Moraes. Então, a vida de qualquer um é felicidade... sofrimento... felicidade.

Hoje me agarro a isso. Um palhaço, balões coloridos... felicidade. Agora estou no momento sofrimento. Daqui a pouco será a hora da felicidade. Isso me mantém viva... me fortalece... me mantém na luta, respirando... viva.

Sabe, eu sei que todo mundo tem seus sofrimentos. Sei que pra qualquer humano a sua dor é a sua dor... é a maior dor do momento. E eu não desmereço essa dor... eu tenho empatia pela dor do outro... muita empatia. Consigo me colocar no lugar da pessoa que está sofrendo e entendê-la... se posso, ajudo a diminuir; se não posso, pelo menos ofereço meu ombro.

Se você está num momento sofrimento, saiba que sinto muito... posso até deixar uma palavra reconfortante, posso até dizer algo que dê esperança e ajude você a enxergar uma luzinha lá no fim do túnel - porque sempre há uma luzinha esperando por você.

Mas eu, com a minha dor, agora sou toda trevas. Quando olho pra trás, vejo os balões coloridos... vejo o balão colorido que o meu menininho ia pegar... vermelho? amarelo?. Mas percebo que as cores dos balões estão desbotando... também a roupa colorida do palhaçoi está sumindo. Será que todas as cores irão desaparecer da minha memória?

Agora, neste exato momento em que escrevo, uma culminação de sofrimento toma conta de mim. Sofre meu corpo, sofre minha alma.

Sou só trevas... não há mais balões coloridos... não há mais palhaços pra me fazer rir. Ou há? E apenas eu não consigo ver as cores... e apenas eu não consigo mais sorrir?

Espero que sim... espero que isso apenas esteja acontecendo comigo. Não desejo trevas pra você.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Acho que a morte é a solução pra um monte de coisas... e eu não posso nem morrer. O perdão é a solução pra um monte de coisas... e eu não consigo perdoar... nem tenho vontade de perdoar.

Se a morte não chega por conta própria na vida de alguém, e esse alguém quer a morte... ele pode se matar e fim. Mas eu não posso, nem isso posso. Até o direito de me matar a vida me tirou.

"Mamãe, olha o palhaço!" Tudo aconteceu tão rápido, foi questão de segundos. Virei, e meus olhos cruzaram com os olhos do palhaço... vi o sorriso do palhaço, de relance vi sua mão com um balão estendido na direção de meu filho.... a cor do balão... era vermelho ou era amarelo...

Meu filho largou minha mão, correu na direção do palhaço, do balão. E eu me desequilibrei. Bati no carrinho da bagagem. A sacola de lanches que estava em cima de tudo caiu.

Biscoitos... sanduíches... a garraafinha de água... tudo espalhado pelo chão. As laranjas... as três laranjas rolaram. Odeio laranjas ... elas são redondas e rolam... não caem e ficam onde caíram. Por que as laranjas são redondas? Por que levei laranjas? Nós poderíamos passar muito bem sem as laranjas.

Mas eu com a minha mania de que sempre tem de levar mais... e mais, pra quê?

As laranjas rolaram pra baixo de um banco e eu tinha de pegá-las... as malditas laranjas. Me arrastei embaixo do banco.... alguém, sem querer, chutou uma delas... e eu fui atrás. Meu Deus por quê?

Mas eu consegui. Eu consegui pegar de volta as três laranjas. Meu marido e uns passantes juntaram o resto do lanche que tinha se espalhado pelo chão. Graças a Deus... tudo normal.

E aí eu olhei na direção do palhaço.... dos balões... coloridos... como a vida deveria ser.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Inventam tantas coisas. Neste mundo de tecnologia tão avançada, porque ainda ninguém inventou uma arma que fizesse a vida ficar parada?

Quem inventou o relógio? O relógio que marca o tempo que passa? Por que não teve criatividade suficiente de inventar um 'antirrelógio'... um instrumento qualquer que congelasse o tempo? Ou que o fizesse voltar atrás?

O que era paz no tempo agora é dor. O tempo dói, dói dentro de mim, estraçalha cada parte de mim.... que vai se distanciando no tempo, que fique claro, só no tempo, daquele momento em que o tempo fez o seu trabalho e foi embora.

Um palhaço colorido, balões coloridos, mostrando como a vida pode ser colorida...

Um palhaço... um palhaço me transformou toda em ferida. Não há mais continuidade em mim, sou toda interrupções... sou uma ferida profunda: pele, ossos, músculos, cartilagens...

O coração em pedaços... e eu só tenho de perdoar... mas eu não consigo!
Foi o fim da minha paz... O que é viver em paz? Como conseguir viver em paz?

Viver em paz é, em primeiro lugar, perdoar a sim mesmo; depois, perdoar aos outros. Não necessariamente nessa ordem...

Perdoe e você se liberta dos rancores, evita dores, dissabores.... doenças do coração.

Dia após dia você vai se recheando de rancores, enchendo seu coração de mágoa... e aí acaba sua paz.

Meu Deus, eu não tinha o bolso cheio de mágoas, por isso eu vivia em paz... eu só conhecia a paz.

A chuva, eu odeio a chuva... ela me traz à memória o dia em que roubaram a minha paz.

Como perdoar? Me perdoar? Perdoar o outro?

Perdoo tudo... mas congela a minha vida naquele dia, naquele momento em que ouvi 'Mamãe, olha o palhaço!'.

Palhaço... palhaça... palhaços... é só nisso que consigo pensar.

Trave o tempo, pelo amor de Deus!


terça-feira, 9 de abril de 2013

 
Congela....e depois, se quiser, pode deixar desaparecer lentamente.... Não, de jeito nenhum... Congela o momento pra sempre. Terra, pare de girar. Sol, não saia de seu lugar. Lua, fique onde está. Pelo amor de Deus... congela.
 
Estação rodoviária de São Paulo... nosso destino o litoral. Vamos nos divertir um pouco, longe do barulho, da poluição. Terra e mar... sol e praia.
 
Nós três... Marco empurra o carrinho de bagagem. "Pra que tanta coisa", pergunta ele, "não vamos ficar apenas cinco dias?". E sorriu... eu com a minha mania de colocar sempre uma peça a mais porque "pode precisar".
 
A cena é perfeita... é a imagem de propaganda de margarina, de apartamento, de protetor solar... sei lá... mas é perfeita. Então, não precisa mudar.
 
Marco e as bagagens. Eu e Marquinho de mãos dadas... a viagem.
 
O palhaço...
 
Congela, para tudo... não precisa continuar, eu deixo!
 

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Toda história tem um começo... esta tem o começo com o fim da minha paz, da minha sobriedade, da minha serenidade, da minha fé na vida, na humanidade.

São Paulo, 25 de setembro de 2000, 10 horas. Chove, chove e chove.

Estação rodoviária, meu marido, Marco; meu filho, Marco Aurélio; eu.... e um monte de bagagem...

Continua (mas eu juro que queria que fosse fim... aí, exatamente neste ponto).