quarta-feira, 22 de maio de 2013

Juntei as laranjas, voltei pra perto de meu marido, entreguei as laranjas pra que eles as colocasse novamente na sacola e olhei na direção dos balões coloridos, do palhaço e de meu filho.

Nada... nada do que eu espera encontrar estava lá. Era tão certo que a figurinha de meu bebê apareceria diante de meus olhos quando eu olhasse na direção em que ele tinha corrido. Mas o que meus olhos viram foi nada.

Você já teve tal sensação? A de olhar para um lugar e não ver o que era certo que seria visto?
Sinceramente espero que você  nunca tenha tido essa experiência.

Num primeiro momento, claro, não me dei conta... olhei em outras direções... em todas as outras direções. Corri para onde meu filho deveria estar... ele de-ve-ri-a estar lá. Mas não estava.

Olhei novamente. Quem sabe a multidão de pessoas tivesse engolido meu filho, empurrado pra algum canto, sei lá... ele tinha de estar naquele lugar. Lá era o lugar dele.

Mas não o vi.

Chamei seu nome... chamei... mais alto, mais alto... gritei. Nada.

Bem, o que aconteceu depois disso, vem aos turbilhões à minha mente. Não consigo concatenar exatamente a sequência correta dos acontecimentos. Corri por toda a estação, olhei para todos os lados, pra cima, pra baixo... entrei desesperada em cada ônibus estacionado com as portas abertas...
procurei debaixo dos bancos... 'ele rolou... eu sei ele apenas rolou para um lugar onde não consigo ver'... ele tinha de estar em algum lugar.

Meu marido... não consegui olhar nos olhos dele, simplesmente não consegui. Não queria ver espelhado no seu olhar o meu desespero... o desepero dele. Acho que ele também estava deesperado. Não, nunca perguntei.

Corri como corre um louco. Corri como se de correr dependesse toda a minha vida. Corri como se corresse contra o tempo. Corri como se pudesse voltar no tempo. Corri... e gritei. Desesperadamente gritei o nome de meu filho.

Uma semana depois minha garganta ainda doía por causa dos meus gritos... que não conseguiram alcançar meu filho. Ou conseguiram, e ele simplesmente foi impedido de responder?

Sinceramente, espero que a maldade de quem o levou não tenha havido mais esse requinte de crueldade. Mas, sim... tenho milhares de pesadelos exatamente assim: meu filho gritando da janela de qualquer lugar... 'mamãe... mamãe'; não ouço sua voz; apenas vejo o movimento dos lábios e as lágrimas escorrendo pelo rostinho dele - como se tivesse consciência de que era um adeus... 'adeus mamãe'.

"Não bebê... não é um adeus", queria poder dizer, queria poder acreditar, queria materializar o significado dessas palavras.

Queria, não... quero.

domingo, 19 de maio de 2013

Um filho não deveria morrer antes de seus pais. A natureza deveria sempre seguir a ordem social natural: primeiro os mais velhos.

Mas todo mundo sabe que não é assim. Quando chega a hora de alguém, chega a hora e fim. É realmente o fim pra esse alguém. Então, pais vão antes de filhos; filhos vão antes de pais; antes de avós... O que conta, no fim das contas, não é o tempo maior de vida. O que conta é o tempo de vida que cada um deve ter, o tempo que cada um ganha ao nascer... e quando esgota o tempo, fim!

Enfrentar a morte não é fácil, eu sei... já vi, já soube de muitas mortes. Soube do sofrimento deixado pela partida de alguém querido. E quanto mais querido, maior o sofrimento, maior a dor.

Quando morre alguém, todo mundo sabe que é inevitável o acordar no dia seguinte e não mais a pessoa encontrar. Fica um vazio... um vácuo... um buraco no estômago, no coração... fica faltando um pedaço... sim, é bem assim.

Mas a morte, em comparação ao desaparecimento, tem algo de melhor. A morte é definitiva, é um soco no estômago uma vez só... depois é só se contorcer, até a dor ir passando devagarinho... devagarinho. Tudo vai ficando lá atrás, distante dos olhos, no tempo - até fica guardadinho no coração, mas a pessoa não fica alimentando a esperança de dobrar a esquina e dar de cara com quem morreu; não espera atender o telefone e ouvir a voz de quem morreu; não espera que batam toc-toc na sua porta e... não, e não. É nunca mais pra sempre.

Agora quando alguém some de diante de seus olhos, levado pelas mão de um palhaço, você não tem como não ter esperança... e daí, você não espera que batam na sua porta, não. Sabe o que você faz? Você vai atrás.

Separação é muito pior do que morte... ter esperança de que vai reencontrar é muito pior do que ter a certeza de que é pra nunca mais. Morrer é definitivamente definitivo, é pra sempre.

Separação, não... pode voltar a qualquer instante; então você fica esperando... correndo atrás e esperando. E o que dói mais é não saber por onde procurar... é não saber onde meu filhote está... como ele está... se está!? Ou não está mais?

Uma resposta à última pergunta talvez diminuisse um pouco mais a minha dor... ou não.


Quando uma pessoa morre, a gente quase morre junto. Mas não morre de verdade.

A pessoa morreu, passou desta pra melhor... ou pior... ou pro nada? Não sei no que acreditar.

A gente quase morre de dor. Porque é uma dor danada a dor de perder alguém., a dor de saber que não vai mais ter esse alguém por perto. Mas a gente só quase morre. Não morre mesmo; continua respirando, continua levando a vida - do jeito que dá, é bem verdade. Mas a gente continua viva.

A pessoa que morre é enterrada; é colocada em um caixão; é velada; depois é colocada em um buraco na terra. Tudo o que acontece com a morte de uma pessoa é triste; o lugar onde o corpo dela é colocado é triste e feio. A gente até procura melhorar um pouquinho colocando coroas coloridas, colocando flores, acendendo uma vela pro lugar não ficar tão triste, feio, frio e escuro.

Mas, mesmo com tudo isso, continuo achando que um corpo morto está em um lugar bem feinho. Mas a gente sabe que o corpo está lá. Se sente saudades, vai até lá e chora, e mata a saudades... um pouquinho. Coloca a conversa em dia... um monólogo é claro, mas fala pra pessoa (pro corpo dela, é claro) tudo o que tem vontade de falar. Uma espécie de desabafo.

E volta pra casa e continua sua vida normal... ou quase normal. Enfim, a vida continua do jeito que tem de ser e pronto.

Claro, uma pessoa não é só o corpo dela, é mais... pra onde esse mais vai, não faço a mínima ideia; nem ninguém faz. E a gente fica na esperança de que, quando chegar a vez da gente, a gente vai descobrir. E com essa esperança a gente segue em frente.

Mas, e quando um alguém some de diante dos olhos da gente e a gente não sabe pra onde esse alguém foi? A gente procura, procura, procura e não encontra...

Nada mais fica normal; nada mais eu vou deixar ficar normal... não vou deixar ficar normal porque vai parecer que estou seguindo em frente.

E eu não consigo seguir em frente. Eu não quero seguir em frente. Quero tudo congelado até encontrar meu filho... que pela mão do palhaço foi levado... e eu não tenha a mínima ideia de pra onde ele foi.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Se sinto pena de mim mesma? Não... Sinto pena do mundo.

O mundo pode ser um lugar bem perverso de vez em quando... ou quase sempre.

Na minha tristeza e dor, não quero sonhos cor de rosa. Não quero sonhos que me façam feliz. Só pesadelos e mais nada.

Masoquista? Não, claro que não... não tenho essa tendência... não sou masoquista. Não busco prazer no sentir dor. Eu sentia prazer em viver. Meu prazer era estar com meu doce marido e meu amado filho... eles eram a minha vida. E me davam uma vida de prazer.

Os balões sumiram da minha visão.... e o meu filhinho também.

Levei alguns minutos para me dar conta do que acontecera. Na verdade, mais do que alguns míseros minutos. Talvez se eu tivesse sido mais rápida em deduzir. Minha culpa! Por que não percebo de imediato o que acontece? Por que não percebi imediatamente quando meu filho sumiu de meu campo de visão.

Aquelas malditas laranjas... ao rolarem me deixaram tonta. Foi isso o que aconteceu. Não, não foi culpa minha.

A culpa é do mundo; e, por isso, sinto tanta pena dele... ser culpado do que aconteceu naquele momento - ser culpado de tudo o que de ruim acontece. Deve ser triste e humilhante até pro mundo.

Ou, no mínimo, a culpa é das laranjas, são redondas, e por isso rolam.... e temos de correr atrás.

A culpa não é minha (estou me esforçando pra acreditar nisso). Olhe bem para mim. Você só verá machucados, arranhões... meu rosto enrugado reflete a dor que me corrói... que vai me destruindo devagarinho.

Não, não quero a sua piedade. Não quero nada de você. Quero apenas meu filho de volta. Se você o viu por aí, diga-lhe que estou esperando, procurando e não vou parar até o encontrar.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Uma coisa que acontece comigo (e imagino aconteça com quase todo mundo) é o seguinte: quando tenho um pesadelo, um sonho ruim... ao acordar, a sensação continua por um tempo. Fico com aquele mal-estar do sonho pesando no meu coração... não parece ter sido apenas sonho, parece que realmente passei por aquela situação ruim.

No meu último sonho, eu estava sorrindo, estava feliz... daí que a sensação depois de acordar deveria ser, no mínimo, de paz, de alegria.

Imagine como me senti! Não acho possível você imaginar, e eu não consigo descrever...

Sou uma sobrevivente de um momento lá atrás... um momento em que meu coração foi arrancado do peito sem eu estar anestesiada. Hoje sou uma sobrevivente... estou afundando em um mar de lama, estou rastejando na escuridão, estou cheia de feridas...

E eu mesma lambo as minhas próprias feridas.

Estou ferida. Sou uma enorme e pútrida ferida ambulante.