segunda-feira, 29 de julho de 2013

A garoa caía desde manhã. Mal se enxergavam as casas pela nossa rua. Uma rua onde tudo era tão conhecido... me parecia, agora, tudo tão estranho. Um outro mundo.

Quando chegamos a nossa casa, um movimento de gente: meus pais, meus sogros, alguns amigos e vizinhos tiravam caixas e  mais caixas de uma Van. Eram folhetos com a fotografia de meu filho... lindo embaixo das palavras DESAPARECIDO.

Olhei pras caixas, pros  folhetos e pro meu filho. Fiquei segurando na mão um folheto, olhando fixamente bem dentro dos olhos dele. Lembrei do dia em que tínhamos tirado aquela foto... No parquinho do bairro. Suspirei profundamente.

Que dor.... Meu Deus que dor! Não fiz nada de tão errado que pudesse merecer tamanha dor. Por que Deus me impõe tal provação?

Acho que foi nesse exato momento que Deus morreu pra mim... Sabe aquela figura de um Deus bondoso, que ama suas criaturas... eu não conseguia mais enxergar isso.

Nunca fui muito ligada a essas coisa de Deus. Vivia minha vida e pronto. Não fazia o mal pra ninguém, sequer desejava o mal... acho que Deus esperava mais de mim, esperava que eu saísse por aí ajudando as pessoas, proclamando crer nEle, acho que é isso que faltou. Paciência... agora é melhor mesmo que Deus não exista pra mim... é mais fácil aceitar que terei de viver dia após dia tristíssima e tensa como a corda de um arco de flecha...

Novamente o risco de um sorriso cruzou meu rosto e agradeci àquelas pessoas o que estavam fazendo por mim, meu marido, meu filho...

O que lembro bem daquele dia é que bebi água, muita água....e nos dias seguintes também.

sábado, 20 de julho de 2013

Voltamos pra casa de mãos vazias.

Às vezes, saímos pra fazer compras e não encontramos o que queríamos. Vamos ao shopping em busca de uma roupa, de um calçado e não encontramos o que procurávamos. Voltamos de mãos vazias... planejamos ir outro dia, ir a outro lugar para conseguir exatamente o que queremos... ou, no máximo, compramos outra coisa em substituição ao que realmente queríamos.

Queria que fosse fácil assim. Voltar pra casa sem nosso filho e dizer: 'tá tudo bem... amanhã a gente vai a outro lugar, talvez ele esteja lá'. Ou talvez pegar outro garoto em substituição ao que nos foi levado... E seguir com as atividades cotidianas...

Mas não é. Eu queria chorar, queria gritar, esmurrar o mundo. Mas do que iria adiantar? Nada disso colocaria meu filho de volta em meus braços. E eu também estava preocupada com o pai de meu filho: suas mãos continuavam tão geladas...

Eu me fiz forte. Engoli o choro, disfarcei as lágrimas que teimaram em escorrer dos meus olhos... e segurei as mãos dele entre as minhas. Eu tinha de aquecê-las.

Concentrei minha atenção nisso... tentei, pelo menos.

Mas meus olhos não paravam.... eles procuravam meu filho pelas ruas. Pensava que poderia encontrá-lo em algum sinal... de mãos dadas com alguém.... ou mesmo sozinho, chorando, perdido.

Imaginar onde estaria meu filho foi a pior parte de toda esta história. Nenhuma imagem colorida, agradável.... em todas elas, ele estava triste, chorava, tinha frio ou tinha fome... queria sua mamãe e seu papai... queria o vovô, a vovó... a bisa.... queria o tio, a tia, o amiguinho da escola... a profe... queria alguém que fosse conhecido... queria sua casa, seus brinquedos. Queria sua vida de volta. E sempre tudo estava preto e branco.

Onde está Marquinho?

Arrisquei olhar o rosto de Marco Aurélio. Era impossível sentir com precisão o que ele estava sentindo, o que estava se passando na sua cabeça. Qual era o tamanho de sua dor?

Dor é dor.... e ponto final.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Por que será que uma pessoa resolve roubar alguém? Fico me perguntando que mente doentia é capaz de articular um roubo?

Imagino a pessoa um dia acordar e pensar: 'vou subtrair alguma coisa de alguém... vou tirar uma criança de uma mãe'. Acredito que ter pensamentos ruins, errados todo mundo pode ter em algum momento ou outro de sua vida.

Pensa, mas não leva a cabo.

Pensa, mas deixa no nível da imaginação. Maquina, mas não põe em ação o maquinado.

Lá estava eu de volta ao lugar de onde me foi tirado meu filho. Tudo estava igual ao dia anterior e ao mesmo tempo tudo estava completamente diferente.

Eu tinha chegado lá com toda a fé do mundo que iria reencontrá-lo. Sempre acreditei que uma mãe pode tudo para proteger um filho.

Nesse dia, ou no dia anterior, tanto faz... eu aprendi que não existe onipotência materna...

Paradoxo da pedra: "Pode um ser onipotente criar uma pedra que não consiga erguer?"

.... pode uma mãe ter um filho e não conseguir protegê-lo? Isso deveria ser proibido....

Mas eu não chorei.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

O que é a força da mente? Toda e nenhuma...

Somos consciente + inconsciente. Pense no bem e bem se materializará. Pense positivo e você conseguirá. Cuidado com o que você deseja, você pode conseguir. Suas palavras têm poder... e sua mente mais ainda.

Verdades e mentiras... frases feitas, perfeitas ou imperfeitas.

E olha que eu pensei positivo. Eu até agi, não é? Saí do sofá onde estava confortavelmente sentada, saí do aconchego do meu lar, fiz um trajeto turbulento pra chegar até onde eu queria e encontrar quem eu queria encontrar.

Ninguém nunca vai poder dizer: 'essa aí... não tem pensamento positivo, é uma acomodada, aceita o fatídico'. Não, ninguém vai poder apontar o dedo pra mim e dizer que eu não lutei.

Eu estava a poucos metros do banco... mais dois ou três passos, estender os braços e abraçar meu filho.

Estava aí, bem na minha frente... era tudo o que eu queria!

segunda-feira, 8 de julho de 2013

A dor no meu coração ainda era dilacerante. A vontade era de entrar em um buraco e ficar pra sempre... parar de respirar... ou enlouquecer.

Queria enlouquecer. A vida não é nada justa, deixa-me com a mente tão clara, tudo é tão nítido, consigo ver com os olhos da alma cada  segundo que passa. Se a vida tivesse qualquer consideração por mim, certamente me deixaria enlouquecer... deixaria que eu mostrasse uma contradição no interior da minha razão - que continua presente... apenas presa ao fio da esperança.

O resto tudo seria pura loucura. Mas a vida não está se importando muito com o que está acontecendo comigo. O mundo não está interessado.

O sol nasceu forte, brilha no céu, fazendo tudo brilhar aqui embaixo, aquece com seu calor tudo o que toca... menos, é claro, as mãos do meu amado.

Eu estava sentada acordada no mesmo lugar do sofá, onde tinha tomado o chá e o remédio que, de acordo com  a bula, iria me fazer dormir, pelo menos umas quatro horas.

Não dormi nada. Às 9 horas da manhã meu marido me trouxe um copo de leite e uma fatia de bolo - que minha vizinha tinha trazido em sinal de apoio. Ao meio-dia eu consegui engolir o último pedaço de bolo e tomar o último gole de leite.

Eu estava morta por dentro e conseguia comer - quem quer sobreviver? Sou eu? Ou a vida tomou minha vida em suas próprias mãos e a manipula conforme seu bel-prazer? A tristeza me envolvia como a noite envolve o dia e o faz simplesmente desaparecer.

Decidi ir à rodoviária. "fazer o quê?", perguntou meu marido.... 'Não posso ficar sentada aqui sem fazer nada... vou sair e procurar meu filho.'

Me agarrei ao pensamento positivo. Não é assim que funciona? Você projeta e acontece. Pense positivo: 'você vai encontrar seu filho, sentadinho no banco esperando por você'. Visualize seu filho vindo em sua direção e abraçando-a bem forte.... sinta as mãozinhas dele, os bracinho dele ao redor de seu pescoço... sinta a maciez da pele do rostinho dele... afague os cabelos.... imagine... crie essa imagem e vá na direção dela. É isso que os manuais dizem, não é?

Eu aprendo rápido... fiz exatamente tudo o que eles pregam...

Eram 14h:20min quando os meus olhos se fixaram no banco imaginado tão fortemente... Eu havia criado a imagem, eu sabia que se acreditasse com todo a minha força eu conseguiria.

Eu sabia exatamente o que eu queria... não havia dúvidas na minha mente, dúvidas que pudessem se intrometer entre minha vontade e a realidade.

Parecia que o tempo não havia passado... que ainda era ontem. Seria uma alucinação?

sábado, 6 de julho de 2013

Essa

Essa não era para ser a minha vida...
How odd the human race is - so alike and yet so different!
 
 
 
 
Como a raça humana é curiosa - tão parecida e tão diferente!
Temos todos 46 cromossomos em nossas células, mas temos diferenças extraordinariamente enormes na nossa capacidade de suportar a dor e o sofrimento.
 
O stress esquenta o corpo, e meu marido estava a cada instante com as mãos mais frias... o que estava acontecendo com ele?

quarta-feira, 3 de julho de 2013

O que é a esperança?

Fiquei ali num montinho... uma massa informe. Naquele momento toda a minha vida se resumia a respirar...

Meu marido se abaixou e me abraçou. Suas mãos estavam frias, muito frias. Levei um choque. Ele era um homem de mãos quentes, sempre. Eu é que tinha as mãos frias...

Ele me ajudou a me erguer e ficou me segurando em seus braços... e eu só sentia suas mãos geladas acariciando meu rosto. Ouvia vozes, mas não distinguia as palavras.

Meus pais chegaram e me abraçaram. Continuavam as vozes... sons sem sentido nenhum pra mim.

'Como foi que aconteceu?' 'Onde está o corpinho dele?'

Como se tivesse acordado de um pesadelo, olhei pra eles assustada. 'Como? Corpinho? Como assim?'

Na hora me dei conta de que eles estavam entendendo tudo errado... 'Não, Marquinho não morreu', disse.

O olhar dos meus pais e de meus sogros pedia uma explicação. E houve a explicação: 'Alguém levou nosso menino'.

As pessoas reagem da forma mais inesperada possível. 'Oh! É isso?... Então nós vamos encontrá-lo, não vamos parar até encontrá-lo. Pronto. Está resolvido', disse papai. 'Pensávamos que ele estivesse morto, mas não.... e isso é ótimo', completou.

Pegou o celular e começou a fazer mil ligações... os amigos - sempre há um que é amigo de um policial, que pode auxiliar... que sabe como proceder, que já passou pela mesma situação... 'Tudo será resolvido', dizia ele o tempo todo.

Eu arrisquei encarar mamãe e meus sogros. A esperança estava estampada em seus olhos... era tão forte que era impossível não acreditar que Marquinho não estaria de volta logo, logo.

Meu Deus eu não tinha esperança nenhuma, e eles estavam cheios dela.

Eu não poderia tirar isso deles... Sabia que sofriam e sofreriam mais ainda se eu tirasse um milésimo da esperança deles. Eles tinham fé... eu não.

Sorri acho que o sorriso mais débil que já apareceu no rosto de alguém. Fiz que sim com a cabeça... num sussurro (não consegui mais do que isso) disse 'sim, vamos'. E tentei trocar a dor nos meus olhos por esperança.... acho que consegui porque eles continuaram sorrindo, fazendo planos, telefonando...

Minha mãe logo foi pra cozinha fazer um chá pra todos. Meu marido continuou me abraçando carinhosamente - mas as mãos pareciam cada vez mais frias -, meu sogro telefonando para todos os seus amigos, minha sogra ligou pro resto da família.

Uma hora depois, minha casa estava cheia de gente, cheia de boa vontade de ajudar e com uma certeza de que Marquinho logo seria encontrado, logo estaria de volta.

Meu cunhado médico trouxe comprimidos de clonazepam para eu tomar...

Mas o sol me encontrou ainda acordada....



terça-feira, 2 de julho de 2013

Olhei meus sogros.



Você sabe exatamente quanto de dor você consegue suportar, mas não sabe quanto o outro consegue. Como é que é a dor pro outro? Com que intensidade meu sogro sofreria ao saber o que havia acontecido? Marquinho era o neto preferido dele. Foi amor incondicional desde a Maternidade. Vovô Adriano - vovô Iano, como Marquinho o chamava - foi a primeira pessoa que segurou meu bebê no colo, depois de mim e de Marco.

Foi olho no olho, amor à primeira vista.

E agora estávamos aí meu marido e eu prontos pra dizer que havíamos perdido nosso filho, neto querido dele.

'Chega de aflição... digam-nos o que acontece!', falou ele com a voz mais calma do mundo.

Eu fiquei escolhendo as palavras... não queria que fosse um choque. Queria dizer bem devagarinho que 'nosso filho não estava mais conosco' - não assim não poderia dizer, eles pensariam que Marquinho estava morto (e ele não estava). 'Perdemos Marquinho'.... pareceria pro resto da vida que o tínhamos largado, como se larga uma mala qualquer, num canto qualquer e quando se volta pra buscar não está mais lá.

Como dizer?

Eu esperava que meu marido falasse. E ele esperava que eu explicasse...

Fui até a porta, abri e saí de dentro de casa. Olhei pro céu, a lua brilhava e as estrelas bruxuleavam como se quisessem me dizer bem baixinho: nós sabemos onde seu filhinho está.

Eu me joguei no chão e gritei, gritei mil vezes o nome de meu filho com todas as minhas forças....

Até hoje eu ouço o eco da minha dor....