sábado, 13 de dezembro de 2014

Faz cinco meses hoje que meu bebê foi levado... odeio palhaços cada dia mais... odeio máscaras que escondem a verdade... odeio ouvir meu coração batendo fraco... forte... fraco... forte... por que razão ele resiste? Por que razão insiste em continuar? Por que razão o ar continua a em mim entrar? Por que razão o sangue continua seu caminho em minhas veias secas a sangrar?

De costas pro mundo, rumo a um precipício... um labirinto sem saída... ruas tortas... no lugar do coração uma chaga.

Não mereço algo melhor?

Tive fé até poucos dias atrás... tive um fé tocável, palpável, sentível... que foi se esvaindo  pouco a pouco, lentamente.

O que é melhor, ter a fé cortada de um golpe só? Ou vê-la sumir qual vapor que sobe lentamente e se mistura às nuvens do céu?

Dor... tenho buscado palavras que não existem pra definir o que sinto... perdi a vontade de falar, perdi a vontade de ter fé... e até meu menininho não voltar pros meus braços continuarei assim... sem rumo certo, andando por caminhos incertos, em trevas... meus olhos enevoados só conseguem olhar pra trás... meu filho, que falta você me faz.

Ontem meu doce, adorado, amado e que era pra ser pra sempre meu marido não aguentou mais... foi embora.

E eu que achava que estava fingindo bem demais... agora acho que era ele quem é o bom fingidor da família... ex-família... porque só sobrou eu.

domingo, 28 de setembro de 2014

Quando acordei de manhã meu marido já havia saído para trabalhar...

Meu sono deve ter sido repousante... minha mente parecia leve, como a leve claridade que passava por uma fresta da cortina. Fechei os olhos e me deixei ficar, queria voltar para o sono repousante e esquecedor. O sono não voltou...

Coloquei indecisa os pés pra fora da cama... devagar fui na direção do banheiro, abri o chuveiro e me enfiei embaixo dele... e fiquei, com o coração afogado, agora só queria afogar meu corpo.

Claro que não consegui... só uma idiota poderia pensar em se afogar no chuveiro. Se ao menos eu tivesse a coragem de deixar a banheira encher... De onde essa indecisão de continuar ou não? Odeio ficar entre a cruz e a espada... estar entre Cila e Caríbdis...

Tomei café e fui à delegacia de pessoas desaparecidas atrás de novas informações... embora não tinha esperança nenhuma de novidades - pra ficar preparada para o pior, decidi perder toda a esperança - ir até lá era reconfortante. As pessoas pareciam entender o que eu sentia melhor do que ninguém... não me julgavam - e eu podia ser eu mesma, com todo o meu desespero... e sempre tinham uma palavra de conforto... embora sempre viesse seguida de um 'não, não temos notícia de seu filho'... 'mas continuamos esperando, com fé'.

Fé!? Fé... 'move montanhas'... está escrito em algum lugar... eu moveria o mundo de lugar se pudesse te encontrar, filhinho... se pudesse ao  menos saber onde você está...

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Na casa de meus pais me portei dignamente. Quem me via não podia acreditar que eu estava quebrada por dentro.

Sorri, conversei, comi bolo de chocolate, tomei sorvete, uma taça de licor... os pasteizinhos de camarão saborosos...

Tenho me dado cada vez mais conta que dá muito bem pra fingir que se está bem. Pouca gente nota a diferença... só quem presta muita atenção na gente. E, na maior parte das vezes, as pessoas estão mais procupadas consigo mesmas...

Não, não quero dizer que minha família é egoísta. Meus pais são uns amores, sempre presentes, atentos, sempre demonstrando preocupação...

estou mesmo é falando de maneira geral...

Voltamos para casa bem tarde... procurei manter a conversa com o meu querido marido, abracei-o forte quando nos deitamos, fechei meus olhos, grudei meus lábios nos dele... eu precisava me sentir viva...

E... no fim... uma espessa escuridão fechou pouco a pouco carinhosamente seus braços em torno de mim.

sábado, 6 de setembro de 2014

Se ao menos a luz apagada e as cortinass cerradas mantivessema a realidade longe de mim... mas não adianta, aperto fortemente meus olhos... mas as imagens não desaparecem na escuridão, a dor não diminui no meu coração.

O olhar de ódio daquele mendigo... olhar de ódio, penetrante, que vai rasgando cada pedaço meu... eu queria areditar que o mundo é bonzinho, é feito de gente boazinha - que erra às vezes, machuca, engana, mente, rouba, mata, esculhamba com a vida dos outros - mas que no fim fica tudo bem, os erros,os pecados, os males ficam no passado... e uma primavera colorida e perfumada toma todo o espaço o tempo todo.... se torna presente, um presente no presente.

Um olhar de ódio é um olhar de morte.

Não há mais muito a matar em mim, desde que meu pequeninho foi roubado. Faço um esforço tremendo pra me manter em cima de minhas próprias pernas, pra não apenas inspirar oxigênio e expirar gás carbônico, mas é tão difícil.... é uma força monstro pra me mostrar bem. Estico os lábios, mas não sorrio.

De manhã bem cedinho, meu marido propôs de sairmos caminhar e correr um pouquinho. Comi uma fatia de mamão, tomei um suco verde, vesti um agasalho, coloquei meu tênis de corrida e saí... com ele.

Caminhamos silenciosamente por uns 5 minutinhos, e ele perguntou se eu achava que poderia correr. Acenei que sim com a cabeça.... e disse pro meu corpo: 'hey amiguinho acabou a moleza... vamos nos mexer'.

Corremos... equilibradamente... corre, caminha, corre, caminha, corre...

Já li que devemos correr em um lugar movimentado, um lugar onde encontramos outras pessoas correndo... isso motiva.

Chegamos a um parque... muita gente correndo... eu corria também, corria de mim, corria do mundo, corria da minha dor... não deixei as lágrimas correrem, enguli todas. Procurei motivação... não encontrei nenhuma.

Voltei pra casa... correndo.

Eu só queria uma conversa normal com meu marido. Pensei 'talvez no banho'... mas não consegui tirar a roupa na frente dele... saí do banheiro. Não sei o que ele pensou da minha atitude.

Na verdade, não sei mais o que ele pensa.

Mais tarde, quando ele voltou do trabalho, me convidou pra fazer um passeio... ou ir à casa de meus pais.

Fui.

Tenho decidido a cada minuto levar uma vida normal... vou, volto, como, durmo, corro, faço compras, jogo fora o que não presta... tudo como uma pessoa normal, inteira. Afinal, sou uma pessoa normal e inteira.... acho.

Tenho buscado viver o hoje, o eternamente hoje... presente... embora o hoje insista o tempo todo em ser ontem.... passado... quebrado.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Agora qualquer movimento levanta poeira que cobre tudo... desperta a linguagem das lágrimas.

Há emoções que curam... mas elas estão tão esquecidas, não fazem mais parte de minha vida. Eu sei que há uma relação do corpo com a alma... 'esteja bem em seu corpo e sua alma agradecerá e vice-versa também'.

Meu corpo... coitado, dilacerado se esforça em continuar. Mas percebo que estou perdendo a luta. E a alma sofre... ou é o contrário? Já não sei...

Tento apagar as lembranças, afogar as mémórias... pôr um fim na minha história. Desço as escadas devagar... tateando no escuro sinto-me sufocar... a dor, em média medida, desperta a criatividade... dor demais... dor em demasia... pura maldade.

A poeira é a culpada... não me deixa ver nada... nada com exatidão... escurece ainda mais minha escuridão.

Abro uma porta... depois dela há outra, e há outra e mais outra... indefinidamente, intermitentemente... ilimitadamente... portas que se abrem, portas que se fecham... nada depois delas, nem antes delas.

Uma chuva fina depois da última porta - até que enfim uma saída... lágrimas do céu... pra me fazer companhia. Estou tão só neste mundo despovoado... procuro por todo lado... a única resposta é a solidão... acompanhada da escuridão... 'só por toda a eternidade'... é o que os balões coloridos milimetricamente alinhados diante de mim trazem como mensagem de aniversário. E vão estourando um depois do outro.

Acordo assustada... toda suada.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

A maioria de nós é saudável a maior parte do tempo... saudável fisica, emocional, psicologicamente... a maior parte do tempo. Isso, acho eu, é normalidade.

 E o que acontece na menor parte do tempo para a maioria de nós? Somos insaudáveis... isso é, então, anormalidade.

E em que situação nos encontramos quando apenas uma parte de nós está saudável e as outras insaudáveis? Isso é possível? Não sinto nenhum mal-estar físico... então fisicamente estou saudável... mas o resto? O resto é uma ferida só.

Agora, pensando... minha incapacidade de dormir sem morfináceo, meu coração que só desacelera com propanolol... são sinais de que fisicamente não estou saudável? Mas, não há nada errado com meu coração - a não ser aquela dor no lugar onde ele se encontra... mas não é uma dor causada por uma disfunção do próprio coração...

Volto à normalidade da minha vida cotidiana antes de meu filho puf no ar. Mas volto diferente... há diferentes tipos de normalidade? E de anormalidade?

Meu Deus! O sol está alto no céu, o calor queima meu rosto e meus braços... cachorros que latem extraordinariamente alto... o parque cheio de crianças... onde estão as compras do supermercado?
Sim, sim... estão aqui do meu lado... como vim parar aqui?

Um tempo de normalidade... totalmente fora de mim... nenhum pensamento direcionado ao meu menininho... é a paz que eu quero. Mas, como faço pra viver uma vida normal neste mundo sem a voz do meu bebezinho?

Pego as sacolas e volto pra casa... antes de sair do parque, entrego uma sacola com biscoitos e frutas pro mendigo... que me olha com um ódio que penetra fundo em mim.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Um café tão silencioso, terminado com 'tenha um dia feliz'.

Um café sem troca de olhares, de palavras, de carinhos... um café bem quente tão frio.

Certo, vou me esforçar... só depende de mim, né? Reestabeler uma rotina: começo limpando a cozinha, organizo a geladeira... quase vazia. Vou para o quarto, arrumo a cama, dobro as roupas jogadas pelos cantos, separo a roupa suja, levo pra lavanderia... Em seguida, os banheiros... organizo tudo, troco as toalhas, levo as sujas para a lavanderia.

Acho que este foi o primeiro passo pra retomar a normalidade. Engulo seco. Normalidade, parece brincadeira. Me esforço pra continuar, preciso arrumar, organizar o exterior.

Supermercado é o próximo passo.

- Vamos, amor!? - falo pro meu querido amor.

Outro esforço tremendo. Amor... amor... amor. Acho que é isso que a mata a gente, tira pedaço, despedaça...

Meu marido me deixa próximo ao supermercado e vai para o trabalho. Um beijo de despedida. Engulo seco. Prendo as lágrimas dentro de mim.

Na rua sozinha olho tudo ao meu redor. Normalidade. As árvores na praça à minha frente, as flores, um casal empurrando um carrinho de bebê. Engulo seco, suspiro... um suspiro longo e profundo e seguro as lágrimas. Continuo andando e olhando o mundo que continua na sua normalidade.

Um mendigo deitado num banco da praça. Normalidade!? É este o mundo em que vivo. Em que seres humanos passando a noite ao relento é considerado normal.

Começo a duvidar do que seja normalidade.

Sento num banco e me deixo ficar, meus olhos viajam até o outro lado da praça... os balanços, escorregador, a caixa de areia, as gangorras descoloridos pelo sol. O parquinho precisa de mais cuidados.

Eu e o banco da praça. O mendigo e o banco da praça. Quem é o mais derrotado? Que é o mais infeliz? Quem chegou ao extremo do sofrimento?

'Cada um ao seu modo, cada um com sua dor é o mais infeliz', penso eu. Pra cada um seu sofrimento é o pior.

Levanto e sigo ao supermercado. Preciso retomar meu dia a dia. Outro passo: salão de beleza. O interior está estraçalhado, mas o exterior não precisa ficar assim.

domingo, 10 de agosto de 2014

Me distrair é disso que eu preciso pra tirar essa dor no lugar onde está o coração.

Lentamente vou entrando no mundo do sono... a paz vai tomando conta de mim, devagarinho.

O vento sopra forte, o barco balança no mar, meu corpo ignorando toda e qualquer atitude lógica se joga ao mar... as ondas volumosas, frias brincam com ele... sou um joguete jogado pra lá e pra cá, ao sabor do mar... salgado. Minha garganta arde, mas meus olhos ficam fixos em um ponto... é lá que quero, que devo chegar. Uma criança sorri e estende os braços em minha direção. Quero gritar: 'Espere! Espere!', mas não tenho tempo o corpinho, que se lançou na minha direção, é engulido pela imensidão do mar... não mais azul. Não há nada a fazer, deixo-me ser engolida também. Mas o mar... o mar não me quer e me devolve à superfície a cada tentativa minha de submergir...

... e eu me arrasto pra fora dos pesadelos que me assolam a noite toda, toda noite. Não há vento, não há mar, não há uma criança a me acenar... a dor no coração... tão forte... se espalha até o fim de mim.

O sol... preciso me distrair. Vou sair... preciso de um alívio, por um momento que seja, mas preciso... e irei atrás de um pouco de paz.

Tomo café com leite bem quente, como uma fatia de bolo de limão que a querida Larissa fez pra mim. Meu marido me acompanha... tomamos suco de laranja, comemos mamão e maçã. Terminamos o café com um prato de morangos... e com 'viva um dia feliz'.

Era assim... tenho de trazer de volta essa vida antes de enlouquecer de vez.

Saio... só pra me distrair.

quarta-feira, 30 de julho de 2014

Como seria uma vida sem pensamentos?

Sem alegria é claro... mas sem tristeza também. E hoje eu trocaria toda a tristeza que se instalou no meu coração e tomou conta de tudo em mim por toda a alegria que senti em todos os meus anos de vida. Eu trocaria de bom grado.

Queria ser um ser não pensante, não sentinte, queria ser matéria amorfa a transitar por este mundo sem sentido.

Qual é a maior dor? Sempre acho que é a atual. E isso agora me faz mal, muito mal. Minha dor atual não tem prazo pra acabar. Minha dor atual é atual a cada minuto que passa. Meu filho pode nunca voltar... ou pode voltar. E se voltar como vou olhar pra ele e não lembrar do tempo em que alguém muito mau tirou-o de mim... e que isso pode acontecer novamente e novamente... ser privada do meu filhinho.

Suspiro profundamente. Larissa, depois de me alimentar com um prato cheinho de sopa, traz um chazinho. Uma pílula vem junto. Tomo ou não tomo? Decido que não. Tenho decidido que não desde a primeira que me foi dada... mas é uma decisão com um tempo tão curtinho... logo decido o contrário.... é o único jeito de ficar quieta na cama.

Uma dose diária de opiáceo e eu me acalmo. Entro numa zona confortável... até que chegam os pesadelos e eles chegam com todo o peso do mundo.

Será que ainda posso ter esperança?

domingo, 6 de abril de 2014

Meu marido me segurou nos braços não sei quanto tempo... choramos o choro guardado, o choro comprimido em nossos peitos desde o dia em que levaram nosso filho... Meu Deus, como nós amamos nosso pequeninho... e esse amor agora tem de ficar guardado em algum lugar dentro da gente... guardado... não pode ser usado... só porque alguém mau, muito mau tirou nosso bebê de nossas vidas.

Quando não tínhamos mais lágrimas, nem forças... nos arrastamos pra dentro de casa. Meus pais, os pais de meu marido... irmãos, irmãs... outros parentes... amigos... vizinhos... e até alguns estranhos formavam um pequeno grupo de pessoas em frente à nossa casa... na nossa sala... na nossa cozinha.

Larissa, minha melhor amiga, com os olhos vermelhos e parecendo carregar toda a tristeza do mundo em seus ombros me abraçou... delicadamente. Larissa é tão delicada... tudo nela é de uma amabilidade sem tamanho.

- Você não quer um chazinho? - me perguntou.

Não respondi, não sei o que acontece comigo, mas há momentos em que meus lábios se fecham de tal forma que, por mais esforço que faço, não consigo movê-los... Acho que ela entendeu meu silêncio como um sim... ou como um não... não sei... ou eu entendi errado... não sei... só sei que quando me dei conta, eu estava sentada numa banquetinha na minha cozinha, com um prato de sopa em minha frente... e uma mão me alimentava... Larissa com toda a sua serenidade e delicadeza me alimentava... como se eu fosse um bebê.

E eu.... eu abria a boca quando a colher se aproximava... engolia o que nela entrava... assim fiz até Larissa dizer:

- Que bom!!! Você tomou todinha a sopa... agora é só descansar.

E eu sorri... um sorriso que não era um sorriso... e pensei: como é que a gente descansa da falta de um filho... como é que a gente descansa dos pensamentos horríveis que se encrustam na mente... pensamentos... meu Deus... já nem distingo mais meus pensamentos - um a um -... os meus pensamentos viraram uma massa pesada, escura e suja dentro da minha cabeça.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Enquanto penso, todos os que ainda estão vivos continuam levando a sua vida - bem ou mal, mas estão levando. Pode também ser que haja alguns que tenham desistido... o fardo era tão pesado que eles largaram num canto qualquer e, sem medir as consequências, saíram 'da vida batendo a porta'. É isso que li uma vez... quem tira a própria vida sai batendo a porta. Com toda a força... pra mostrar quem manda... pode ser que neste momento em que eu penso, os que estão vivos seguem com sua vida, existam alguns batendo a porta.

Eu gostaria de ter essa atitude corajosa... gostaria de sair batendo a porta. Mas eu não posso. Já não sei mais se não posso porque sou fraca... ou se é porque realmente acredito que meu bebê vai voltar... não sei. A única coisa que sei é que tenho de acreditar que ele vai voltar... e, enquanto ele não volta, vou sobrevivendo - com o mínimo para viver.

Também penso que talvez o suicídio não seja um ato corajoso... que só os fracos tiram sua própria vida... não sei... me pego divagando cada dia mais. Parece... não, não parece... estou mesmo é vivendo mais dentro da minha cabeça do que em qualquer outro lugar.

Eu queria que o mundo de cada um fosse do tamanho da casa de cada um. A casa da gente - existe melhor lugar pra se chegar? melhor lugar pra se ficar? Tudo é conhecido... cada cantinho está lá na cabeça do gente exatamente do jeito que é... você sabe onde procurar o que é seu - mesmo que você seja um desorganizado de marca maior, você sabe que o que procura está no limite da sua casa... pelo menos 99% das vezes.

Mas o mundo é vasto demais... e muda o tempo todo... e eu fiquei quase um dia inteiro sentada numa praça fazendo o quê, meu Deus do céu...!!??

segunda-feira, 3 de março de 2014

No começo tudo é pessoal. No começo tudo o que acontece com a gente parece que só interessa a gente mesmo... os holofotes estão com toda a sua força sobre a gente. O resto... todo o resto sai de cena. É o que acontece com a gente o que importa - não importa se são coisas boas ou ruins... importa o que acontece... e a gente.

Cada um é o centro de sua vida, e tudo o que acontece com cada um tem uma importância desmedida, exagerada. E quando alguma coisa ruim acontece, cada um fica se sentindo a vítima... 'tudo comigo'... por que só comigo?' E se ofende, e reage, e grita, e esbraveja, e xinga. Assim é no começo...

Depois, desses cada um, há os que começam a olhar as coisas que acontecem de outro modo... começam a perceber que tudo faz parte de um contexto geral... que a vida de cada um faz parte da vida geral. Daí a vida não é mais tão pessoal assim, e a dor não tão pessoal começa a doer menos... daí o erro não é mais confundido com o autor do erro... e o erro pode  ser corrigido... e o autor do erro não é mais alvo do ódio de quem sofreu a dor com o erro... e daí quem sofreu com o erro cometido não se deixa amargurar.

Sou desse tipo de cada um... no começo via o mundo com os olhos do egocentrismo, meu olhar era tacanho diante dos acontecimentos... era viciada em superfícies, forçava as entrelinhas, nunca ia ao fundo da realidade do que me acontecia.

Aprendi a deixar de olhar o mundo a partir do meu umbigo, saí do centro e me dei espaço pra observar melhor tudo o que me acontecia... nem tudo é pessoal... aprendi que a vida é assim.

Mas agora me encontro em um dilema: ter meu filho tirado de mim não foi nada pessoal? Foi meu filho levado como poderia ter sido levado o filho de qualquer outra pessoa?



sábado, 22 de fevereiro de 2014

Não sei quanto tempo passou... o Sol mudou de lugar... o vento já era outro... quando decidi que tinha de voltar.

Levantei lentamente e me dirigi pra casa. Meu corpo doía, minha cabeça latejava, meus pés estavam formigados... meu estômago tinha espasmos.... na minha boca um gosto amargo... um gosto metálico, minha visão turva... será que estou precisando de óculos?

Mas eu queria a dor, queria mais dor ainda, queria no meu corpo toda a dor do mundo... pra suplantar um pouquinho a dor do meu coração.

Voltei com um passo atrás do outro. Uma senhora baixinha e gorducha com um chapéu engraçado na cabeça passou por mim... conversando, conversando com seu cachorrinho. Que cachorrinho feio e ela tentou enfeitá-lo com lacinhos coloridos.

Quanto tempo não acho algo engraçado, nem ridículo. E aquela mulher tagarelando com seu cachorro era extremamente ridículo. Ela seguia sua vida sem prblemas, sem dor, pensei na minha dor. Mas logo me censurei. E daí se ela está feliz? E daí se a vida dela se resume àquele cachorrinho horroroso, sem pelos e com lacinhos? A vida é dela e ela pode gastá-la com quem quiser... como quiser.

Acho que estou me tornando uma pessoa amarga. Não posso, tenho de controlar esse tipo de pensamento O mundo, ou pelo menos o mundo que não se envolveu no roubo do meu filhinho, não tem culpa da minha tristeza, da minha dor, da minha desesperança no mundo.

Quando já estava bem próxima de casa vi um movimento de carros, pessoas na frente dela. Quando cheguei ao portão, meu marido correu na minha direção.

- Onde você estava? - gritou ele.

- Eu... eu... saí procurar nosso filho... - falei num fio de voz.

Quando vi a nuvem de dor nos olhos dele me dei conta do que eu havia feito. Não bastava a dor pelo nosso bebê... eu havia, com meu sumiço, causado mais dor ao segundo homem da minha vida e que tanto amo.

Abracei-o e chorei... mais uma vez... só que agora foi um choro não escondido, foi o choro que estava engasgado desde o sequestro de nosso filho... E meu marido chorou, também.

domingo, 9 de fevereiro de 2014

O sol vai aparecendo devagarinho... seus raios tímidos parecem sorrir melancolicamente diante da minha empreitada: sair pelo mundo em busca do meu garotinho. Eu vou... pra onde? Já li algo mais ou menos assim: 'pra quem não sabe aonde ir qualquer caminho serve'. Nunca algo coube tão bem em uma pessoa.

Não sei pra onde ir.

Dou passos a esmo... sigo a rua à minha frente, viro à direita... sigo em frente... viro à direita de novo, sigo em frente, viro à direita, sigo em frente... ou virei à esquerda? Já não lembro mais. Meus pés reclamam. Paro. Não sei onde estou. Sento na calçada e choro, e choro e choro.

Sei que o choro não vai resolver nada. Mas tenho que chorar, preciso chorar... até minhas lágrimas secarem. Daí pararei.

Olho pro sol... não sei quanto tempo passou. Penso: quantos filhos são aquecidos neste momento por este sol e suas mães nem se dão conta... nem se dão conta de que têm seus filhos sob seu olhar, sob sua proteção.

Por que a gente tem de perder pra ter a consciência de que se tivesse ainda abraçaria com todas as forças e seguraria colado no corpo pra não perder nunca?

Queria derreter como o gelo derrete ao contato do sol.

domingo, 2 de fevereiro de 2014

O ar fresco da manhã toca meu rosto, fecho os olhos e paro... consciente total daquele momento. Consciente total da insanidade da minha ação... Por que ruas devo seguir? Em que esquina da vida encontrarei o meu bebê?

Sim, eu tenho fé, a maior fé do mundo de que ele está em uma esquina qualquer... um pedinte no meio de tantos outros... e eu vou encontrá-lo. Mas pra que lado irei? Que rumo tomarei?

É certo que qualquer direção pode me levar à minha esperança... todos os caminhos são caminhos de esperança... mas também é tão certo que qualquer direção me levará a mais trevas... qualquer rua que eu escolher poderá acabar em trevas.

Eu não quero ter essa consciência... quero me deixar levar apenas pelo instinto de mãe... quero ter o mesmo 'poder' de uma mãe morcego e encontrar meu anjinho - que não deve estar entendendo nada do que está acontecendo...

Choro....

Faz dias que parece que não acordo de verdade... agora estou mesmo é no meio de um pesadelo.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

A noite se arrasta... deitada, com os olhos fechados, espero por um sono que não vem... insônia o tempo todo - grande parte da população mundial sofre de insônia.... então, por que vou reclamar? Ansiedade, tristeza... beirando a depressão... quanta gente no mundo está passando por isso agora. Então, por que vou sentir pena de mim?

E eu que dormia tão bem...

Ouço os barulhos da noite... o vento balançando os galhos das árvores, o alarme de um carro que disparou... os passos rápidos de alguém na calçada... o meu coração que bate forte.

A escuridão da noite vai embora lentamente. Os primeiros raios de sol me encontram pronta pra sair. Vou andar pelas ruas da minha cidade, e da cidade próxima, e da próxima, e da um pouquinho  mais distante... vou andar pelas ruas do mundo. Eu vou em busca do meu menino, hoje.

Abro o portão da minha casa, coloco meus pés lentamente na calçada... dou o primeiro... o segundo passo... sinto o mundo rachando sob meus pés... mas eu vou em frente, não importa se um buraco me tragar, me engolir sem mastigar.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Meu querido me explica que os dois visitantes haviam visto os cartazes espalhados e vieram oferecer ajuda, colocar-se à disposição, ajudar no que fosse necessário. Deixaram um número de telefone...

Falar sobre o acontecido, organizar as ideias e colocá-las em palavras torna tudo tão mais real... é por isso, acho, que falo pouco. Se eu não falar, tudo vai acabar? Vai voltar a ser como antes? Vou acordar e perceber que eu estava em um pesadelo? Não sei... só sei que me custa falar... dói.

Mas tenho de controlar minha dor. Preciso, pelo meu amor e meu amorzinho. Tenho de estar inteira pros dois. E vou estar. Minha valentia tem de ser do tamanho da minha tristeza. E será.

"Um dia, quando Romulus, fundador de Roma, deslocava suas tropas nas vizinhanças do pântano Capreano, lá irrompeu uma súbita e barulhenta tempestade de trovões durante a qual Romulus foi envolvido por uma nuvem tão densa que ficou fora de visão e nunca mais foi visto novamente pelos homens mortais. Ele então foi elevado ao nível divino e venerado sob o nome de Quirinus" (Julius Obsequens).

Fora de visão... é isso... meu bebê só está fora da minha visão... é simples assim.

domingo, 19 de janeiro de 2014

Meu amado marido vem na minha direção. Seus olhos permanecem cravados nos meus. Ele não diz nada... há alguns dias que trocamos pouquísssimas palavra. Nossos olhos já dizem tudo o que temos pra dizer.

Ele me abraça e carinhosamente segue comigo até o sofá. Sentamos... outra coisa que tem acontecido cada vez com mais frequência: sentar... passo a maior parte do meu dia sentada. Deito minha cabeça no seu peito e me deixo ficar.

A memória me trai. Não quero pensar em nada, não quero lembrar de nada. E ela, traiçoeira, traz meu filho, o sorriso do meu filho, as gargalhadas do meu anjinho. Fecho os olhos pra não ver, aperto os ouvidos pra não escutar... mas é tudo tão inútil... tudo é tão inútil.

Como uma estrela que já morreu, sou eu. Apenas o brilho se pode ver... e no meu caso um brilho tão opaco, tão morto.

E eu tenho de continuar. Pra quê? Se um dia até esse brilho que restou vai terminar? Mas eu não posso me apagar, simplesmente não posso.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Abro bem os olhos... está cada vez mais difícil. É um ato tão normal, praticamente voluntário abrir o olhos. E eu preciso fazer um esforço imenso, que me cansa... tudo me cansa.

Levanto do sofá devagar. Queria correr, mas não consigo mais. É o medo que paralisa minhas pernas? Como é viver um dia sem medo... sem o peso que pesa em meus ombros? Saudades de um tempo ali atrás. Tudo era tão leve.

Vou na direção da janela, afasto a cortina, a claridade fere meus olhos doídos, cansados. Vislumbro um casal se aproximando do portão da minha casa, meu marido abre o portão... os dois entram. Têm um papel nas mãos, conversam, olham para o papel, gesticulam. Nenhum sorriso.

Tenho de sair, penso. Vou na direção da porta, meus passos trêmulos, o chão duro da sala parece ter se transformado em areia movediça. Cada passo é um esforço fenomenal. Chego até à porta. Levei quase uma eternidade. Abro a porta em tempo de ver meu marido acenando para o carro que se afasta.

Ele se vira e encontra meus olhos. São dois pares de olhos cansados... que querem se fechar, que querem lutar, que querem continuar, que querem parar.

O mundo parece ter se transformado num hospício gigante. Eu choro.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014


A chuva fina havia parado. As nuvens se dispersado... o sol brilhava no céu. As coisas continuam em movimento. Como é possível?

Indiferentes à minha dor, deixam pra trás tudo e seguem como se tudo o que houvesse fosse um eterno presente. Ah! se eu pudesse deixar pra trás minha memória... como uma cobra que se desfaz de sua pele e nem lembra da que deixou em um lugar qualquer.

Pensamento louco... não, não posso. Não posso esquecer. Quando meu filho voltar a primeira coisa que vai quere ouvir, tenho certeza, é 'te amo meu filho'.... e como direi isso a ele se o esquecer?

Fecho os olhos e tento dormir. Um carro que chega buzinando me tira da momentânea letargia...