sábado, 21 de março de 2015

Minha mãe me abraça, ela também não chora. Pega em minha mão e me leva até um café próximo.

- Quer um café? - pergunta ela.

Eu não respondo. Ela pede dois sucos de maracujá e duas fatias de bolo de chocolate. Chocolate... meu menininho adora chocolate... e suco, não de maracujá, de morango. Não só suco de morango. Tudo o que é de morango.

Acho que se eu chorasse as lágrimas levariam embora essas lembranças doces... tão amargas, esse aperto no peito. Propranol 80 miligramas é uma rotina em minha vida... tão rotina que meu corpo já se acostumou e não sente mais os efeitos.

Por que minha mãe perguntou se eu queria um café e pede suco?

O suco e o bolo chegam. A garçonete simpática sorri. Seu sorriso é daqueles que ilumina tudo, seu olhar é terno e sereno... olhar de quem ainda não perdeu nada... ou não perdeu muita coisa, ainda.

Minha mãe responde que não... é o que queremos nesse momento: suco de maracujá e bolo de chocolate. Marisa... esse era o nome bordado no avental da garçonete se afasta e eu a acompanho com meu olhar vazio.

Meu corpo reclama a dor... parece ter passado todo por um moedor de carne.

Miha mãe toma um gole de suco e olha pra mim. Acho que ela espera que eu a imite. Ela segura minha mão entre as suas... aperta suavemente e me diz:

- Ele vai voltar.

Suas palavras parecem me cortar e pedacinhos... menores que moídos. Perdi a esperança?

Ela quer mais detalhes sobre o telefonema... eu transformo o acontecido em palavras e repito-as, e repito-as... ela me ouve, em silêncio.

Passa o tempo... porque o tempo sempre passa... meu pai vem nos chamar.

- É tarde - diz ele - vamos para casa.

Minha mãe e eu nos levantamos e saímos com ele - que já havia pagado a conta.

Meu suco e bolo permanecem sobre a mesa. Intocados. Saímos para a rua.

Onde há ar para respirar?