quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Meu querido me explica que os dois visitantes haviam visto os cartazes espalhados e vieram oferecer ajuda, colocar-se à disposição, ajudar no que fosse necessário. Deixaram um número de telefone...

Falar sobre o acontecido, organizar as ideias e colocá-las em palavras torna tudo tão mais real... é por isso, acho, que falo pouco. Se eu não falar, tudo vai acabar? Vai voltar a ser como antes? Vou acordar e perceber que eu estava em um pesadelo? Não sei... só sei que me custa falar... dói.

Mas tenho de controlar minha dor. Preciso, pelo meu amor e meu amorzinho. Tenho de estar inteira pros dois. E vou estar. Minha valentia tem de ser do tamanho da minha tristeza. E será.

"Um dia, quando Romulus, fundador de Roma, deslocava suas tropas nas vizinhanças do pântano Capreano, lá irrompeu uma súbita e barulhenta tempestade de trovões durante a qual Romulus foi envolvido por uma nuvem tão densa que ficou fora de visão e nunca mais foi visto novamente pelos homens mortais. Ele então foi elevado ao nível divino e venerado sob o nome de Quirinus" (Julius Obsequens).

Fora de visão... é isso... meu bebê só está fora da minha visão... é simples assim.

domingo, 19 de janeiro de 2014

Meu amado marido vem na minha direção. Seus olhos permanecem cravados nos meus. Ele não diz nada... há alguns dias que trocamos pouquísssimas palavra. Nossos olhos já dizem tudo o que temos pra dizer.

Ele me abraça e carinhosamente segue comigo até o sofá. Sentamos... outra coisa que tem acontecido cada vez com mais frequência: sentar... passo a maior parte do meu dia sentada. Deito minha cabeça no seu peito e me deixo ficar.

A memória me trai. Não quero pensar em nada, não quero lembrar de nada. E ela, traiçoeira, traz meu filho, o sorriso do meu filho, as gargalhadas do meu anjinho. Fecho os olhos pra não ver, aperto os ouvidos pra não escutar... mas é tudo tão inútil... tudo é tão inútil.

Como uma estrela que já morreu, sou eu. Apenas o brilho se pode ver... e no meu caso um brilho tão opaco, tão morto.

E eu tenho de continuar. Pra quê? Se um dia até esse brilho que restou vai terminar? Mas eu não posso me apagar, simplesmente não posso.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Abro bem os olhos... está cada vez mais difícil. É um ato tão normal, praticamente voluntário abrir o olhos. E eu preciso fazer um esforço imenso, que me cansa... tudo me cansa.

Levanto do sofá devagar. Queria correr, mas não consigo mais. É o medo que paralisa minhas pernas? Como é viver um dia sem medo... sem o peso que pesa em meus ombros? Saudades de um tempo ali atrás. Tudo era tão leve.

Vou na direção da janela, afasto a cortina, a claridade fere meus olhos doídos, cansados. Vislumbro um casal se aproximando do portão da minha casa, meu marido abre o portão... os dois entram. Têm um papel nas mãos, conversam, olham para o papel, gesticulam. Nenhum sorriso.

Tenho de sair, penso. Vou na direção da porta, meus passos trêmulos, o chão duro da sala parece ter se transformado em areia movediça. Cada passo é um esforço fenomenal. Chego até à porta. Levei quase uma eternidade. Abro a porta em tempo de ver meu marido acenando para o carro que se afasta.

Ele se vira e encontra meus olhos. São dois pares de olhos cansados... que querem se fechar, que querem lutar, que querem continuar, que querem parar.

O mundo parece ter se transformado num hospício gigante. Eu choro.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014


A chuva fina havia parado. As nuvens se dispersado... o sol brilhava no céu. As coisas continuam em movimento. Como é possível?

Indiferentes à minha dor, deixam pra trás tudo e seguem como se tudo o que houvesse fosse um eterno presente. Ah! se eu pudesse deixar pra trás minha memória... como uma cobra que se desfaz de sua pele e nem lembra da que deixou em um lugar qualquer.

Pensamento louco... não, não posso. Não posso esquecer. Quando meu filho voltar a primeira coisa que vai quere ouvir, tenho certeza, é 'te amo meu filho'.... e como direi isso a ele se o esquecer?

Fecho os olhos e tento dormir. Um carro que chega buzinando me tira da momentânea letargia...